Resumo
Este módulo tem como objetivo compreender a relação entre a (des)igualdade linguística e a justiça social e educativa. Depois de explicitar o significado dos três conceitos básicos (igualdade linguística, justiça social, justiça educativa) e as suas relações, este módulo analisa situações práticas de justiça social e escolar na sala de aula e a injustiça criada pelas desigualdades linguísticas. Por fim, o módulo propõe a análise de propostas de intervenção escolar concebidas para reduzir as injustiças causadas por e/ou justificadas com base em critérios linguísticos.
Após a conclusão deste módulo, será capaz de:
- definir e explicar, de forma crítica e reflexiva, os conceitos de igualdade linguística, justiça social e justiça educativa;
- analisar criticamente situações concretas de sala de aula e contextos educativos em que a desigualdade linguística tenha provocado injustiças escolares e sociais;
- desenvolver conhecimentos sobre formas de resistência contra as injustiças linguísticas na escola e na sala de aula, nomeadamente pedagogias cultural e linguisticamente responsivas.
Este módulo destina-se a todos os profissionais da educação a todos os níveis, especialmente aqueles que trabalham com crianças plurilingues cujas línguas não coincidem com as utilizadas diariamente na escola. Pode, também, ser um módulo relevante para futuros professores, tanto na área das línguas como noutras áreas curriculares.
- Definição e explicação dos conceitos-chave do módulo: o que queremos dizer com os conceitos que utilizamos?
- Análise reflexiva de situações concretas de (des)igualdade linguística e do seu impacto na educação: quais são os efeitos reais da (des)igualdade linguística?
- Pedagogias concretas cultural e linguisticamente responsivas para (futuros) professores e educadores: o que podemos fazer?
8 horas
Neste módulo, será confrontado com uma variedade de recursos, desde vinhetas com observações de aulas, vídeos, literatura específica e desenhos animados/caricaturas.
- Lisa Marie Brinkmann
- Franziska Gerwers
- Neli Heidari
- Sílvia Melo-Pfeifer
- Sandra Sprenger
Unidade 1. O que é a igualdade linguística?
A igualdade linguística é também abordada em conceitos como justiça linguística e direitos linguísticos (Piller, 2016; Skutnabb-Kangas & Phillipson, 1995) e baseia-se na perspetiva de que todas as línguas e os seus falantes devem ser tratados com igual respeito, dignidade e valor numa determinada sociedade ou contexto. Entre outros princípios, sublinha que nenhuma língua deve ser discriminada ou marginalizada e que os falantes de línguas diferentes devem ter igual acesso a oportunidades (por exemplo, no mercado de trabalho), serviços (como a educação) e recursos. A promoção da igualdade linguística é, portanto, de importância fundamental para apoiar a diversidade cultural, prevenir a discriminação linguística e garantir que todos os membros de uma sociedade possam participar plenamente na vida social, económica e política, incluindo a escola.
No vídeo abaixo, da autoria do académico Jan Bloomaert, o autor explica o que é a diversidade linguística e qual a sua relação com a desigualdade:
Nesta unidade, vamos definir e reconhecer o que leva à desigualdade linguística. Veremos que a (des)igualdade linguística nem sempre está relacionada apenas com línguas e questões linguísticas, mas também se cruza com categorias sociais, económicas e étnicas.
1.1. Definir e explicar a igualdade e a desigualdade: a interseccionalidade importa!
A interseccionalidade importa quando se discutem as desigualdades linguísticas, porque reconhece que as experiências e os desafios dos indivíduos são construídos e moldados pela interação multideterminada de múltiplas identidades e fatores sociais, incluindo o género, a raça, a etnia, a classe e outros.
Veja como K. Crenshaw, o académico que introduziu o termo “interseccionalidade” como metáfora, o define:
Com base no vídeo acima, podemos concluir que a interseccionalidade aumenta os desafios que algumas pessoas e grupos enfrentam devido à discriminação ou disparidades relacionadas com a língua.
Apresentamos, agora, três exemplos de interseccionalidade relacionados com as desigualdades linguísticas:
- Caso um: uma mulher de uma minoria linguística e étnica enfrenta desafios diferentes dos de um homem de uma minoria linguística, porque as desigualdades linguísticas se cruzam com outras formas de discriminação e desvantagem, como o género.
- Caso dois: uma pessoa de uma minoria racial ou étnica, que fala uma língua minoritária, enfrenta uma “discriminação cumulativa” (Piller, 2016); esta discriminação cruza a língua e a raça, criando desafios diversos (e ainda mais graves!).
- Caso três: uma criança com dificuldades auditivas pode sofrer discriminação por não ter apoio específico em línguas gestuais na escola ou ensino específico na sua L1 em particular. Neste caso, a discriminação linguística é acompanhada de capacitismo.
Estes três casos mostram que a incorporação de uma perspetiva interseccional na análise das desigualdades linguísticas, incluindo questões de género (caso 1), de origem racial e étnica (caso 2) e de incapacidade (caso 3), pode proporcionar-nos uma compreensão mais complexa e completa das questões de discriminação linguística. Se considerarmos a forma como as desigualdades linguísticas se intersectam com outros aspetos de identidade (como a origem étnica, o género, a orientação sexual, etc.), podemos desenvolver estratégias mais inclusivas e equitativas para promover a justiça linguística e responder às necessidades específicas dos indivíduos que sofrem de múltiplas formas de discriminação.
1.2. Sabe-se que a desigualdade linguística está a acontecer quando…
A desigualdade linguística pode manifestar-se de várias formas e pode ser ativamente, conscientemente ou não, (re)construída ou/e perpetuada. A desigualdade linguística pode acontecer e ser visível em espaços públicos e privados. Nas paisagens linguísticas das nossas cidades, as hierarquias linguísticas e os estereótipos linguísticos são exibidos visualmente em placas, fachadas de lojas, painéis publicitários, etc. Este tipo especial de desigualdade linguística é construído, por exemplo, pela forma como as línguas são selecionadas para integrar um sinal público, um anúncio ou uma proibição. Consideremos a imagem 1.2.1, de uma paisagem linguística tirada em Jena, uma cidade da Alemanha:
Imagem 1.2.1 Um exemplo de paisagem linguística na Alemanha (foto de Sílvia Melo-Pfeifer).
Este sinal em cinco línguas acompanha uma câmara de videovigilância numa zona comercial da cidade. O sinal pretende ser um aviso de que as ocorrências anormais serão registadas, tendo o sinal um valor regulador da ordem social. As línguas selecionadas foram o alemão, apresentado de forma proeminente num tipo de letra maior e em primeiro lugar, seguido do inglês (bandeira britânica), do francês (bandeira francesa), do russo (bandeira russa) e do árabe, representado por uma bandeira da Arábia Saudita. Enquanto o alemão, como língua nacional e maioritária, é uma escolha compreensível, juntamente com o inglês como língua franca internacional, as outras três opções são mais problemáticas. Pode argumentar-se que o francês e o russo são línguas que se aprendem na escola na Alemanha (sendo o russo muito residual) e a escolha da Arábia Saudita é simplesmente desconcertante.
Consideremos, agora, a seguinte situação, relatada por Baugh (2017), que descreve como a discriminação linguística é utilizada para limitar o acesso à habitação devido ao sotaque. Neste caso específico, a discriminação linguística não se baseia em sinais escritos em espaços públicos, mas na perceção do sotaque, afetando indivíduos específicos:
“Despite the existence of diverse forms of discrimination based on language usage, and their long-standing continuations, the most common forms of linguistic profiling typically occur when someone who is offering goods or services receives a telephone call from an unknown person whom they deem unworthy (…). Linguistic profiling was detected during many of these telephone calls when minority callers, who were usually African Americans or Latinos, were told that the apartment they were seeking was not available, yet white callers requesting the availability of the very same apartment were subsequently told that the unit was available for rent. (…) Advocates for fair housing were able to demonstrate that some unscrupulous renters were actively engaged in discriminatory behaviour, despite the fact that they had never seen the prospective tenant in person” (Baugh, 2017, p. 350).
A situação descreve uma questão conhecida como perfilamento linguístico, ou seja, uma forma de discriminação baseada na utilização (percebida) da língua. Baugh descreve uma situação de discriminação no mercado da habitação, especialmente quando as pessoas perguntam sobre apartamentos oralmente, por telefone, tornando o sotaque particularmente saliente. O autor enfatiza a necessidade de esforços contínuos de consciencialização, de defesa de uma habitação justa e de adoção de políticas que abordem e eliminem essas práticas discriminatórias baseadas no sotaque. Esta poderia ser uma questão para o ativismo social relacionado com o multilinguismo.
Outra ocorrência de discriminação baseada na língua é apresentada na imagem 1.2.2, um anúncio de emprego:
Figura 1.2.2. Anúncio de emprego (https://awocspace.com/blog/why-native-english-speakers-only-is-an-act-of-covert-racism).
Tal como explicado no artigo acima, o critério do falante nativo “é uma discriminação porque muitos falantes não nativos podem e dominam a língua inglesa tão bem ou até melhor do que os falantes nativos. Negar a alguém uma oportunidade pelo facto de não vir de um local ou de um agregado familiar preferido onde se fala uma língua é discriminação. E a discriminação é uma grande parte do racismo, tanto velado como explícito” (Shaikh, 2022). Este anúncio de emprego prefere abertamente candidatos de países onde o inglês é a primeira língua (associado indiretamente à branquitude). E isto apesar do facto de os académicos terem demonstrado que ser falante nativo não diz nada sobre as capacidades pedagógicas e de ensino ou mesmo sobre as habilidades linguísticas (Kramsch, 1997). De acordo com o autor, este é um exemplo de racismo velado, uma forma de racismo que pode não ser contestada e até ser considerada aceitável, porque se baseia em ideologias dominantes sobre as línguas e a propriedade da língua.
Esta forma de desigualdade linguística, que não é exclusiva dos falantes nativos de inglês, é designada por “nativismo linguístico”. O nativismo linguístico refere-se a uma forma de discriminação, preconceito ou viés que favorece os falantes nativos de uma língua em detrimento dos falantes não nativos, particularmente no ensino da língua inglesa e em contextos laborais relacionados (Holliday, 2015). Veja vídeo a seguir se precisar de mais informações sobre o nativismo linguístico, sobretudo quando associado à língua e à formação e profissionalismo dos professores:
Outros aspetos específicos da desigualdade linguística incluem:
- Glotofobia – uma forma de discriminação ou parcialidade baseada no sotaque de uma pessoa ou na sua forma de falar. Implica fazer julgamentos, suposições ou avaliações negativas sobre indivíduos ou grupos de pessoas apenas devido à forma como pronunciam as palavras ou ao sotaque regional, estrangeiro ou não nativo que possam ter quando falam uma determinada língua. Pode levar ao “bullying de sotaque” (Dochin, 2023; também Dryden, Wang & Dovchin, no prelo).
- Racismo linguístico – uma forma de discriminação ou parcialidade baseada na língua ou na origem linguística de uma pessoa. Envolve fazer julgamentos preconceituosos, suposições ou avaliações negativas sobre indivíduos ou grupos de pessoas apenas por causa da língua que falam, do seu sotaque, dialeto ou herança linguística (Flores & Rosa, 2015). O racismo linguístico intersecta-se frequentemente com outras formas de discriminação, como a discriminação racial ou étnica, uma vez que está intimamente ligado ao contexto cultural e linguístico de cada um (ver 1.1).
- Idadismo – a Organização Mundial de Saúde define o idadismo como “os estereótipos (como pensamos), os preconceitos (como sentimos) e a discriminação (como atuamos) em relação aos outros ou a nós próprios com base na idade”. Pode afetar tanto os idosos como os jovens. Por exemplo, o idadismo pode afetar as pessoas mais velhas que procuram uma formação linguística. Podem ser objeto de discriminação ou de estereótipos que presumem que são menos capazes de aprender uma nova língua. Este facto pode dificultar o seu acesso a oportunidades de ensino de línguas e contribuir para as desigualdades linguísticas. Segundo a mesma agência, o idadismo está em todo o lado e pode afetar toda a gente: “desde as nossas instituições e relações até nós próprios. Por exemplo, o idadismo está presente nas políticas que apoiam o racionamento dos cuidados de saúde em função da idade [como as práticas relatadas relacionadas com a seleção de quem tinha direito a receber tratamento para a Covid, durante a pandemia; acréscimo nosso], nas práticas que limitam as oportunidades dos mais jovens de contribuírem para a tomada de decisões no local de trabalho, no comportamento condescendente usado nas interações com pessoas mais velhas e mais jovens e no comportamento autolimitante, que pode ter origem em estereótipos internalizados sobre o que uma pessoa de uma determinada idade pode ser ou fazer”.
Como vimos, as práticas de discriminação linguística baseadas em preconceitos linguísticos incluem a discriminação no emprego com base na língua, o acesso desigual aos serviços públicos, à escolaridade e à habitação, ou estereótipos negativos sobre certas línguas ou comunidades linguísticas, expostos em espaços públicos. Tem um impacto direto na renda, educação, oportunidades de emprego e habitação com base na língua. Em casos extremos, pode também afetar negativamente a segurança e o bem-estar dos indivíduos. Identificar a desigualdade linguística é, portanto, um processo contínuo que requer uma abordagem multifacetada, incluindo a observação direta das escolhas linguísticas em espaços públicos (como as paisagens linguísticas), a análise de grandes volumes de dados, o escrutínio de políticas (educativas) e o envolvimento da comunidade. É importante reconhecer que a desigualdade linguística pode ser tanto aberta (explícita) como subtil (implícita ou velada) e que, muitas vezes, se intersecta com outras formas de discriminação, como vimos em 1.1).
Unidade 1 Autoavaliação
Unidade 2. O que é justiça social e educativa e como se relaciona com as desigualdades linguísticas?
Na Unidade 1, apresentámos a definição de desigualdades linguísticas e como elas são visíveis e construídas em diferentes contextos. Nesta unidade, o nosso objetivo é compreender como a promoção de igualdades linguísticas tem um impacto positivo na justiça social e educativa. Em particular, vamos verificar como a mentalidade monolingue prevalente na educação — uma forma específica de desigualdade linguística no contexto escolar — pode ser prejudicial para a justiça social e educativa.
2.1. Definindo e explicitando justiça social e educativa
A justiça social é um exemplo perfeito de um conceito que é utilizado em diferentes contextos, mas é raramente definido de maneira clara ou consistente. Kalaja e Melo-Pfeifer (no prelo) reconhecem que “it is not easy to find a straightforward definition of social justice, and it is perhaps even harder to find definitions that bring issues of social justice and language diversity together”. Piller explica que os discursos sobre injustiça social tratam de “disadvantage and discrimination related to gender, race, ethnicity, sexual orientation, religion, and age. It is extremely rare for ‘language’ to feature as a basis on which individuals, communities, or nations may be excluded” (2016, p. 5). A justiça social, vista tanto como um objetivo quanto como um esforço contínuo, tem sido associada à participação igualitária em vários aspetos da sociedade, incluindo os de âmbito cultural, económico e político. Tal envolve o reconhecimento de diversas culturas, a distribuição justa de recursos económicos e a devida representação nos sistemas políticos, conforme descrito por Fraser (1995).
Para compreender a variedade de definições de justiça social, assista ao vídeo a seguir:
Para promover a justiça social na educação, ou a justiça educativa, é importante reconhecer plenamente as diversas capacidades linguísticas e comunicativas tanto de alunos como de professores. Este reconhecimento deve abranger a singularidade e a diversidade das suas competências linguísticas e semióticas, bem como o seu potencial para a expressão criativa. É fundamental reconhecer que nem todos os indivíduos têm as mesmas capacidades físicas ou linguísticas para a comunicação, ao mesmo tempo. Alguns alunos são “bilingues emergentes”, em processo de desenvolvimento das suas competências linguísticas na língua de instrução, enquanto outros podem estar a esforçar-se por manter a sua(s) língua(s) materna(s). Outros podem enfrentar desafios na audição, enquanto alguns podem ter necessidades especiais visuais ou de mobilidade. Para lidar com estas variações nos repertórios linguísticos e culturais dentro da sala de aula, vários autores têm defendido o desenvolvimento de práticas de ensino que respondam às diferenças linguísticas e culturais. Estas práticas visariam reconhecer, validar e aproveitar as diversas capacidades e origens que os alunos trazem para a sala de aula, incluindo aquelas herdadas das suas famílias. Tais práticas inclusivas deveriam ser aplicáveis não apenas a disciplinas relacionadas com a língua (como as disciplinas tradicionais de línguas modernas), mas também as disciplinas tradicionalmente consideradas “não linguísticas” (como a matemática e outras disciplinas escolares).
Para concluir, esta subseção mostra que promover a justiça social na educação se baseia na aceitação da diversidade linguística e cultural, na adaptação às diferenças nas capacidades de comunicação e na implementação de estratégias de ensino que empoderem todos os alunos (e professores), independentemente das suas origens linguísticas ou culturais. Essas estratégias respondem à necessidade de práticas linguística e culturalmente responsivas (Herrera, 2026; veja 4.1 para mais informações sobre essas práticas).
2.2. A mentalidade monolingue na educação
A mentalidade monolingue na educação é conhecida no contexto alemão pelo conceito de “habitus monolingue” (Gogolin, 1994). Este conceito refere-se ao facto de que, apesar de a escola ser reconhecida como um espaço onde alunos de origens linguísticas muito diferentes se encontram e utilizam recursos diversos para comunicar, a sua organização estrutural (e a transição de um nível escolar para outro), as tradições pedagógicas, os formatos de interação e a cultura de avaliação permanecem monolingues e baseados em práticas monolingues.
No que se refere à (in)justiça linguística, a mentalidade monolingue em contextos institucionais limita potencialmente as oportunidades para os alunos desenvolverem proficiência nas suas línguas maternas ou manterem uma forte conexão identitária com o seu património cultural. Além disso, pode restringir a capacidade dos alunos de expressarem plenamente a sua expertise em diferentes disciplinas escolares e de usar todo o seu repertório linguístico para aprender, conduzindo a uma injustiça cognitiva. A injustiça cognitiva baseia-se na premissa de que as línguas não são apenas instrumentos para apreender o conhecimento, mas também instrumentos para (co)criar e transferir esse conhecimento para novas situações. A injustiça cognitiva ligada à desigualdade linguística na escola ocorre quando os alunos são privados dos seus recursos linguísticos para entender, criar e transferir significados em diferentes disciplinas escolares.
2.3. A mentalidade monolingue na educação e a injustiça cognitiva
Como visto nas seções anteriores, a desigualdade linguística e a mentalidade monolingue prevalentes na educação podem impactar negativamente a justiça cognitiva e afetar os indivíduos ao longo da vida. A justiça cognitiva, como contraponto da “injustiça cognitiva” apresentada na seção anterior, refere-se à distribuição justa e equitativa de oportunidades e recursos para o desenvolvimento cognitivo, incluindo o direito a uma educação de qualidade e a possibilidade de desenvolver as próprias capacidades intelectuais. Inversamente, as desigualdades linguísticas podem limitar o acesso à educação de qualidade para indivíduos que falam línguas, variedades ou dialetos não dominantes, o que pode ser ainda mais prejudicial dentro de um quadro interseccional (ver 1.1). Além disso, quando a educação é ministrada numa língua que não é a língua materna (L1) dos alunos, isso pode criar uma barreira à aprendizagem, levando a injustiças cognitivas. Os alunos podem ter dificuldades em compreender e se envolver com o currículo devido a desafios relacionados com a língua. Outro ponto importante é que uma educação que não incorpora a diversidade linguística e cultural dos alunos e das suas comunidades pode ser (percebida como) menos relevante e envolvente, prejudicando o desenvolvimento cognitivo. Ela pode falhar em se conectar com as experiências e perspetivas dos alunos e das comunidades, levando à alienação dos alunos e à perda de conhecimento da comunidade.
Questionar o habitus monolingue das escolas multilingues (parafraseando Gogolin, 1994) implica reconhecer e valorizar a diversidade linguística e cultural, implementar políticas linguísticas inclusivas e fornecer apoio para que os alunos desenvolvam proficiência em várias línguas, incluindo a(s) sua(s) língua(s) de herança, a(s) língua(s) de ensino e a(s) língua(s) presentes no currículo escolar. Isso pode incluir uma cooperação mais próxima com as famílias, como levá-las à sala de aula, reconhecer os seus conhecimentos linguísticos, culturais e epistémicos, e envolver-se em ativismo e ação social para apoiar as famílias recém-chegadas.
A mentalidade monolingue, que prioriza ou idealiza o uso de uma única língua dominante enquanto desconsidera ou desvaloriza outras línguas (ver 2.2), influencia significativamente a injustiça cognitiva ao perpetuar o privilégio linguístico e cultural dos falantes de línguas maioritárias. Os alunos que enfrentam questões linguísticas podem ter dificuldades em participar em discussões em grupo na sala de aula, preencher formulários e responder a perguntas em testes (mesmo que conheçam o conteúdo!), para dar apenas três exemplos. No domínio da criação do conhecimento, essa mentalidade monolingue pode levar a uma homogeneização do pensamento e das ideias (redução epistémica), pois prioriza uma única língua e perspetiva. Isso pode limitar o potencial para a diversidade cognitiva e o pensamento inovador que é possibilitado pelo confronto de diferentes línguas, conceitos, tradições epistémicas e culturas académicas (Berthoud & Gajo, 2020).
As línguas não são apenas ferramentas para transmitir conhecimento, mas recursos para estruturar o pensamento. Nesse sentido, não apoiar o uso de diferentes línguas na sala de aula, censurar o uso das línguas dos alunos, silenciar os estudantes que falam diferentes línguas maternas ou tentar impedir o acesso a conhecimentos produzidos em diferentes línguas são formas de promover a injustiça cognitiva. Outras formas de injustiça cognitiva incluem avaliar os recém-chegados exclusivamente na língua da escola, sem lhes dar a oportunidade de demonstrar o conhecimento e as capacidades que adquiriram nas suas trajetórias escolares anteriores (Melo-Pfeifer & Ollivier, 2023). Algumas formas de combater essas injustiças são apresentadas e discutidas na Unidade 4.
Unidade 2. Autoavaliação
Unidade 3. Como é que as desigualdades linguísticas se refletem nas práticas educativas? Alguns casos de estudo
Como mencionamos anteriormente, para combater as desigualdades e as injustiças linguísticas na educação, podem adotar-se práticas linguística e culturalmente responsivas. Mas a que se referem essas práticas? Segundo Herrera, tais práticas “place the biographies of their students at the center” (2016, p. 1). Quando adotam essas práticas, os professores são “are able to use students’ knowledge, skills, and words as entry points to learning” (idem). No entanto, as desigualdades linguísticas não se refletem apenas na sala de aula, por causa das práticas adotadas pelos professores, mas também se manifestam ao nível institucional. Nesta secção, apresentamos e discutimos exemplos de desigualdades linguísticas presentes nos níveis macro, meso e micro das escolas.
3.1. Estudo de Caso 1 (nível macro: discriminação institucional no sistema escolar: foco nas transições)
As desigualdades linguísticas podem manifestar-se e evoluir durante as transições entre contextos educativos, como é o caso da transição do ensino primário para o ensino secundário. Diversos fatores contribuem para essas desigualdades, impactando as experiências linguísticas dos alunos e moldando as suas trajetórias escolares. Por exemplo, na Alemanha, tem-se demonstrado que crianças que falam alemão como segunda língua são mais frequentemente encaminhadas para escolas gerais que levam à educação profissional (“Stadtteilschule”), em vez de seguirem carreiras académicas (“Gymnasium”). A Figura 3.1.1 mostra as disparidades entre crianças com background migratório (“mit Migrationshintergrund”) e crianças sem background migratório (“ohne Migrationshintergrund”) em escolas de Hamburgo, uma cidade alemã:
3.1.1. Comparando a presença de crianças com e sem background migratório nas escolas de Hamburgo.
Este problema tem sido denominado de “discriminação institucional” com base na língua. Mechthild Gomolla (2008) explica o conceito de discriminação institucional e como isso afeta as recomendações sobre a transição nos momentos de mudança no sistema escolar. Com um foco particular no Reino Unido, a autora mostra como a seleção é agravada pela tendência à autonomização e pela introdução de princípios de mercado:
3.2. Estudo de Caso 2 (nível meso: avaliação do conhecimento de conteúdo em disciplinas escolares específicas)
Se concordarmos que os alunos devem ser aceites na sua diversidade linguística e reconhecidos pelas suas práticas linguísticas fluidas, então a avaliação monolingue não é coerente com uma abordagem multilingue da educação (Melo-Pfeifer & Ollivier, 2023). Nesta perspetiva, as práticas de avaliação multilingue são mais capazes de espelhar a realidade linguística de um mundo interconectado, onde os indivíduos frequentemente navegam e utilizam várias línguas em diferentes contextos (ver subunidade 4.6).
Analise a proposta pedagógica da plataforma BINOGI e tente compreender como pode ajudar a superar a mentalidade monolingue na avaliação.
As práticas de avaliação multilingue garantem que a avaliação nas escolas esteja alinhada com a diversidade linguística dos alunos, promovendo inclusão, equidade, justiça cognitiva e o desenvolvimento de valiosas competências linguísticas e de conteúdo para contextos reais. Estas práticas incentivam uma abordagem positiva e capacitadora da aprendizagem e da avaliação (de línguas e conteúdos). Isto é possível na aplicação BINOGI, pois permite que os alunos se familiarizem com o conteúdo em diferentes línguas, utilizem processos de translanguaging no contacto escrito e oral com o conteúdo académico, e se autoavaliem na língua com a qual se sentem mais à vontade.
3.3. Estudo de Caso 3 (nível micro/meso: introduzindo a diversidade linguística e cultural na sala de aula)
Incluir a diversidade linguística na sala de aula não é apenas importante para construir um ambiente de aprendizagem mais justo. No vídeo abaixo, alunos e professores refletem sobre como a integração de tarefas relacionadas com a diversidade linguística e cultural na sala de aula oferece numerosos benefícios que contribuem para um ambiente educativo rico e inclusivo, ao mesmo tempo que abre a mente das crianças para outras línguas e culturas:
A partir do vídeo abaixo, podem-se inferir os seguintes benefícios da integração da diversidade linguística e cultural na educação:
- A exposição a diversas línguas e culturas enriquece a experiência global de aprendizagem, proporcionando aos alunos uma educação mais ampla e abrangente.
- Os alunos desenvolvem a competência global ao interagir com diferentes línguas e culturas, preparando-se para navegar num mundo interconectado e multicultural.
- Interagir com colegas de diferentes origens linguísticas e culturais fomenta a consciência das crianças sobre diferentes pontos de vista e a sua curiosidade em relação ao Outro.
- A exposição a diversas línguas e culturas leva as crianças a desenvolver os seus próprios projetos linguísticos relacionados com a aprendizagem de línguas.
- Os alunos desenvolvem uma consciência crítica da língua, levando-os a relativizar a hegemonia global do inglês e a compreender os valores associados à aprendizagem de outras línguas.
- Os alunos são educados para defender a diversidade linguística e cultural.
Unidade 3 Autoavaliação
Unidade 4. Práticas linguística e culturalmente responsivas e a sua importância: tornando-se um ativista de línguas na escola
Num mundo caracterizado por uma crescente diversidade cultural e interconexão, a importância de promover a responsividade linguística e cultural nos contextos educativos não pode ser subestimada. Esta unidade tem como objetivo explorar a importância de adotar práticas que reconheçam, respeitem e celebrem a diversidade linguística e cultural nas escolas. Além disso, incentiva-o a tornar-se um ativista de línguas proativo dentro da sua comunidade educativa.
4.1. O que são práticas linguística e culturalmente responsivas na escola?
Nesta subunidade, são apresentadas práticas linguística e culturalmente responsivas no currículo e na sala de aula. As práticas linguística e culturalmente responsivas nas escolas visam promover a inclusão e o sucesso de alunos de diferentes origens linguísticas e culturais, evitando desigualdades. As abordagens associadas reconhecem e respeitam as diferentes línguas, culturas e identidades representadas na comunidade escolar. Para implementar práticas linguística e culturalmente responsivas, estas devem ser integradas na escola nas três dimensões distintas identificadas por Keeves (1997): o currículo prescrito, o currículo implementado e o currículo aprendido (infográfico 4.1.1).
Infográfico 4.1.1. Práticas linguística e culturalmente responsivas nas diferentes dimensões do currículo (Ilustração própria baseada em Keeves, 1992).
Currículo prescrito: Deve desenvolver-se um currículo culturalmente inclusivo (no currículo nacional ou no currículo interno da escola) que tenha em conta a diversidade linguística e cultural dos antecedentes dos alunos. Isto inclui a integração de diferentes línguas e elementos culturais no currículo obrigatório de várias disciplinas.
Currículo implementado: Ao planificar e conduzir as aulas, o professor deve utilizar materiais inclusivos e considerar os seguintes aspetos (na secção 4.2 apresentam-se exemplos específicos):
- Falar várias línguas na sala de aula: exemplos possíveis incluem dar as boas-vindas em todas as línguas faladas pelos alunos ou cantar canções em outras línguas. O conhecimento da primeira língua dos alunos deve ser integrado nas aulas de forma significativa.
- Utilizar manuais, materiais didáticos e recursos linguistica e culturalmente relevantes e inclusivos: Isto pode ser feito, por exemplo, através do uso de álbuns ilustrados, livros infantis e manuais escolares multilingues. Textos (como histórias ou contos de fadas) em outras línguas também podem ser introduzidos nas aulas.
- Refletir sobre estereótipos.
- Envolvimento das famílias: promover a comunicação e o intercâmbio entre a escola e as famílias dos alunos. Isto ajuda a construir confiança e compreensão entre todas as partes.
- Afirmação de identidade: criar um ambiente de aprendizagem onde os alunos possam expressar as suas identidades culturais. Isto pode incluir a discussão ou celebração de feriados e eventos culturais. Os alunos devem ser incentivados a partilhar as suas tradições e experiências.
Currículo aprendido: Utilizar métodos de avaliação do desempenho académico que tenham em consideração os diversos contextos culturais e linguísticos dos alunos . É importante evitar avaliações que possam prejudicar certos grupos de alunos.
4.2. Reconhecer e aproveitar a diversidade linguística e cultural ao longo do currículo escolar
A integração da diversidade linguística no currículo de línguas não só contribui para a educação, mas também promove a valorização da diversidade cultural e fortalece a compreensão intercultural através da aprendizagem intercultural (Barrett, 2018). Para além do desenvolvimento do multilinguismo nas disciplinas de línguas, as perspetivas culturais podem ser abordadas noutras disciplinas (por exemplo, geografia, história, música, ciências naturais, religião). Exemplos possíveis são:
- Literatura de diferentes culturas: nas aulas ou cursos de literatura, poderiam incluir-se no currículo histórias e narrativas de diferentes culturas. Os alunos poderiam ler estas histórias, analisá-las e reconhecer a diversidade de contextos culturais.
- Perspectivas globais em geografia e ciências: nas aulas de geografia e ciências, desafios globais (Fensham, 2012), como a proteção ambiental, as alterações climáticas e a sustentabilidade (Yaar-Waisel et al., 2023), podem ser abordados e considerados a partir da perspetiva de diferentes culturas e países. A secção 4.3 oferece um exemplo disso.
- Música de diferentes culturas: vários instrumentos e canções globais podem ser utilizados no currículo de música.
Infográfico 4.2.1. Diversidade linguística e culturalmente responsiva ao longo do currículo.
Os exemplos acima podem servir de inspiração. A seguir, encontra-se uma tarefa que envolve a análise dos currículos existentes em determinados países (ver Infográfico 4.2.1.).
✎ Tarefa 4.2.1: Análise e reflexão sobre a diversidade no currículo/documentos educativos orientadores
Se quiser relacionar o que acabou de aprender com o seu contexto específico, pode examinar o currículo/documentos orientadores da sua disciplina (por exemplo, ensino de línguas estrangeiras, geografia ou ciências).
- Até que ponto os tópicos da diversidade aparecem no currículo/documentos orientadores e como são apresentados?
- A que questões globais (por exemplo, mudanças climáticas, migração, segurança alimentar global) estão ligados esses tópicos?
- De acordo com a sua perspetiva, que opções surgem para o desenvolvimento de um currículo sensível à diversidade na sua disciplina? Reflita sobre a possível contribuição da sua disciplina para práticas linguística e culturalmente responsivas e para a integração da diversidade linguística na sala de aula.
4.3. Promover o desenvolvimento da competência plurilingue e intercultural na sala de aula de línguas
Na secção seguinte, apresentam-se três sugestões sobre como abordar a diversidade linguística e cultural na sala de aula. Estas sugestões devem ser entendidas como pequenos módulos de aprendizagem que podem ser utilizados de forma flexível. Dependendo do nível de ensino (por exemplo, básico ou secundário), a sua complexidade pode variar.
Módulo de aprendizagem 1: Reconhece as línguas na sala de aula e torna-as visíveis
Título:
Reconhecer as línguas na sala de aula e torná-las visíveis
Objetivo e descrição:
As diferentes línguas faladas na sala de aula podem ser reunidas num mapa-mundo digital. Assim, a diversidade linguística e espacial surgem intimamente relacionadas e são apresentadas no mapa interativo. Para permitir a compreensão desta diversidade, a mesma frase pode ser utilizada em diferentes línguas, como exemplo abaixo: “Olá, chamo-me Charlotte e sou de Hamburgo. Em casa falamos alemão e francês, porque a minha mãe é de França.” O pin pode ser colocado num local do mapa ou pode marcar possíveis locais e países onde a língua é falada (ver exemplo). Se uma criança for bilingue ou plurilingue, pode colocar vários pins, por exemplo, da mesma cor. Através da ligação ao nome, ao contexto linguístico e espacial, a diversidade dentro da sala de aula torna-se evidente no mapa interativo. O Padlet é recomendado uma vez que o programa de mapas é de fácil utilização. Um esquema de cores coerente contribui para a representação visual da extensão da diversidade numa sala de aula. Em alternativa, pode também ser utilizado um mapa-mundo analógico com pins de cores diferentes.
Infográfico 4.3.1. Mapa com as diferentes línguas faladas na sala de aula
Metodologia de trabalho:
O mapa pode ser desenvolvido de forma colaborativa na sala de aula, partilhando a ligação ou o código QR. No entanto, isto requer a presença de dispositivos digitais. Em alternativa, também pode ser feito como trabalho de casa.
Tempo:
20 minutos
✎ Tarefa 4.3.1: Observa as línguas no ambiente: cria um mapa digital com uma das ferramentas acima mencionadas e torna as línguas visíveis no teu ambiente (família, amigos).
Módulo de aprendizagem 2: Mostra-me o teu pequeno-almoço
Título:
Mostra-me o teu pequeno-almoço
Objetivo e descrição:
Através de um inquérito digital e/ou de um mapa, os hábitos individuais de consumo e de desperdício são identificados e visualizados: a região/cidade do local onde a fotografia foi tirada (no exemplo, o pequeno-almoço) é assinalada num mapa e a fotografia é inserida. Desta forma, são recolhidos os hábitos de consumo de indivíduos com diferentes origens culturais. A representação espacial dos hábitos de consumo cultural fornece a base para a discussão com os alunos em sala de aula, no sentido de os a levar refletir criticamente sobre os seus próprios hábitos de consumo.
Infográfico 4.3.2. Exemplo de pequeno-almoço (na Alemanha)
Metodologia de trabalho:
As fotos relativas aos diferentes pequenos-almoços devem ser recolhidas individualmente antes da aula, como trabalho de casa.
Tempo:
1 hora, recolha prévia de fotografias
Módulo de aprendizagem 3: Água – numa perspetiva intercultural
Título:
Água – numa perspetiva intercultural
Objetivo e descrição:
O trabalho colaborativo dá aos alunos a oportunidade de aprenderem com outros sobre a situação da água nos seus respetivos países e culturas, os desafios que enfrentam e as soluções existentes. A título de exemplo, a ilustração abaixo mostra diferentes reações de alunos à chuva. Enquanto o aluno A não gostou e preferiu ficar em casa, outros (o aluno C, de uma região com menos água) acolheram-na com entusiasmo ou foram neutros (o aluno B). Este tema suscita um intercâmbio intercultural e promove uma compreensão mais profunda das diferentes perceções culturais no que diz respeito à chuva. Encontros online entre alunos de diferentes países podem ser realizados como parte integrante das aulas, fomentando-se o trabalho colaborativo.
Infográfico 4.3.3. Variação da perceção relativa à chuva por alunos de diferentes origens culturais
Metodologia de trabalho:
Trabalho colaborativo entre alunos de diferentes países.
Tempo:
1 hora de preparação do grupo local, 1 hora de trabalho colaborativo assíncrono ou síncrono, 1 hora de reflexão
Publicação relevante:
Yaar-Waisel, T., Sprenger, S., & Leininger-Frézal, C. (2023). Education for Sustainable Development in Teacher Training Through Multinational Cooperation: Goals, Opportunities, and Challenges. In A. Klonari, M. L. De Lázaro y Torres, & A. Kizos (Eds.), Re-visioning Geography: Supporting the SDGs in the post-COVID era (pp. 75-92). Springer International Publishing. https://doi.org/10.1007/978-3-031-40747-5_5.
4.4 Translanguaging como pedagogia transversal ao currículo
Segundo Vogel e García (2017), translanguaging é a “theoretical lens that offers a different view of bilingualism and multilingualism. The theory posits that rather than possessing two or more autonomous language systems, as has been traditionally thought, bilinguals, multilinguals, and indeed, all users of language, select and deploy particular features from a unitary linguistic repertoire to make meaning and to negotiate particular communicative contexts. Translanguaging also represents an approach to language pedagogy that affirms and leverages students’ diverse and dynamic language practices in teaching and learning”. Assista ao vídeo em que Ofelia García responde às perguntas do Prof. Lysings sobre translanguaging:
O translanguaging pode ser entendido como uma teoria da linguagem e um quadro de referência para desenvolver ativamente os repertórios dos alunos na sala de aula, para aprender línguas ou outras disciplinas escolares. Cenoz e Gorter (2021) denominam esta segunda vertente como “pedagogical translanguaging”, um “theoretical and instructional approach that aims at improving language and content competences in school contexts by using resources from the learner’s whole linguistic repertoire. Pedagogical translanguaging is about activating multilingual speakers’ resources so as to expand language and content learning” (Cenoz & Gorter, 2021, p. 1).
Existem vários recursos sobre translanguaging na sala de aula:
4.5 Abordagens plurais no currículo
As abordagens plurais no ensino e aprendizagem baseiam-se em atividades que incluem diversas variedades linguísticas e culturais. Baseiam-se no conceito de competência plurilingue e pluricultural promovida pelo Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Tal como explicado no site do projeto europeu FREPA, “the term “pluralistic approaches to languages and cultures” refers to didactic approaches which use teaching / learning activities involving several (i.e. more than one) varieties of languages or cultures. This is to be contrasted with approaches which could be called “singular” in which the didactic approach takes account of only one language or a particular culture, considered in isolation. Singular approaches of this kind were particularly valued when structural and later “communicative” methods were developed and all translation and all resort to the first language was banished from the teaching process.” (https://carap.ecml.at/Pluralisticapproaches/tabid/2681/language/en-GB/Default.aspx). No vídeo seguinte, M. Candelier explica os princípios das abordagens plurais:
Existem quatro abordagens plurais: (Candelier et al, 2012):
- Intercompreensão entre línguas da mesma família que envolve a promoção da aprendizagem simultânea de múltiplas línguas da mesma família linguística ou a aprendizagem de uma língua com base no conhecimento prévio de outra dessa família linguística, quer se trate da primeira língua do indivíduo ou de outra língua adquirida formal ou informalmente. Esta abordagem inclusiva assenta em vários princípios fundamentais: em primeiro lugar, reconhece a importância das competências recetivas em várias línguas como componentes integrais da competência plurilingue de um indivíduo; em segundo lugar, reconhece a possibilidade de separar o ensino e a aprendizagem de línguas do desenvolvimento de competências recetivas e produtivas; em terceiro lugar, sublinha a importância das semelhanças linguísticas como fonte significativa de transferência na aprendizagem de uma nova língua.
- Didática integrada das línguas que se refere à articulação do ensino e aprendizagem de línguas no currículo escolar, tal como descrito por Hufeisen em 2018. Esta abordagem visa minimizar redundâncias e otimizar sinergias cognitivas no processo de aprendizagem de línguas, o que é importante tendo em conta o tempo limitado atribuído no currículo para a aprendizagem de línguas. Reconhece que os recursos linguístico-comunicativos adquiridos anteriormente, tais como a primeira língua (L1), a(s) língua(s) de herança e as línguas aprendidas na escola, são recursos valiosos para melhorar o processo de aprendizagem de línguas adicionais. Se um aluno já aprendeu o tempo presente contínuo em inglês (por exemplo, “I am eating”), o professor pode aproveitar este conhecimento para ensinar o “Presente Continuo” em espanhol (por exemplo, “[Yo] estoy comiendo”). Esta abordagem reconhece, assim, a interligação da aprendizagem de línguas e permite a transferência interlinguística.
- Éveil aux langues é uma expressão francesa que pode ser traduzida por Sensibilização à diversidade linguística. Refere-se a atividades que proporcionam a jovens aprendentes o contacto precoce com a diversidade linguística e cultural em geral (incluindo sistemas de escrita), sensibilizando-os para as línguas que a escola não tem por missão ensinar. Esta abordagem tem como objetivo criar um ambiente de aprendizagem em que as crianças são expostas a diferentes línguas de uma forma positiva, emocional e envolvente. “Eveil aux langues” fomenta uma curiosidade precoce pelas línguas, lançando bases propedêuticas para a aprendizagem e promovendo uma atitude positiva em relação à diversidade linguística desde os primeiros anos. As atividades propostas aos jovens aprendentes incluem jogos, canções, histórias e experiências interativas que envolvem a exposição e a exploração de várias línguas, dialetos, registos e variedades.
- Abordagem intercultural que vê as culturas como híbridas, dinâmicas, multifacetadas e interseccionais (Byram, 1997). Esta perspetiva rejeita a noção de uma identidade cultural monolítica e sublinha a interação das influências de socialização na construção da identidade dos indivíduos. No que diz respeito a práticas pedagógicas, os educadores e professores concebem e implementam atividades como debates sobre incidentes culturais críticos, exercícios que levam os alunos a adotar pontos de vista alternativos e contacto com documentos autênticos de diversas origens contextuais. Através destas atividades, os alunos envolvem-se nas complexidades da diversidade cultural, desafiando pressupostos (normalmente binários) e cultivando a empatia. Além disso, oportunidades de aprendizagem experiencial, que incorporam elementos culturais globais e locais, contribuem para uma perspetiva de aprendizagem ao longo da vida, preparando os alunos para navegar na (hiper)diversidade cultural com curiosidade, respeito e flexibilidade. A aprendizagem experiencial (também promovida pelo projeto BOLD) leva os alunos a refletir sobre as suas perceções e contribui para um ambiente colaborativo de aprendizagem.
No site do Conselho da Europa encontrará recursos para explorar as abordagens plurais no ensino e aprendizagem de línguas: https://carap.ecml.at/Materials/tabid/2313/language/en-GB/Default.aspx
4.6 A necessidade de desenvolver práticas de avaliação plurilingue
As práticas de avaliação plurilingue são complexas de definir e, provavelmente, nem sempre fáceis de identificar/observar. Englobam métodos e estratégias de avaliação que reconhecem, acomodam e utilizam ativamente os repertórios plurilingues dos alunos. A avaliação plurilingue está, assim, estreitamente alinhada com os princípios da educação plurilingue, que enfatiza o desenvolvimento da proficiência em diversas línguas e o reconhecimento da interligação entre língua e cultura. Embora os princípios e estratégias da educação plurilingue já tenham sido abordados na literatura e já estejam mais ou menos presentes nas práticas de ensino (pelo menos em alguns contextos e até certo ponto), a avaliação tende a ser considerada o último bastião das práticas monolingues na educação (em línguas).
O desenvolvimento de formatos e práticas de avaliação plurilingues justifica-se pela necessidade de as avaliações refletirem a diversidade linguística dos aprendentes e promoverem práticas (cognitivamente) inclusivas (Melo-Pfeifer & Ollivier, 2024). As práticas de avaliação que recorrem a múltiplas línguas não só se alinham com os objetivos educativos, como também contribuem para o desenvolvimento da competência intercultural, promovendo o respeito e a abertura à diversidade linguística em todos os domínios da educação. Reconhecer que a diversidade linguística e a pluralidade de repertórios linguísticos dos alunos podem ter impacto na avaliação e, posteriormente, na forma como são encaminhados para diferentes tipos de escolas com diferentes saídas profissionais e académicas (rever “Unidade 3.1 Estudo de caso 1”, anteriormente), é uma forma de promover mais justiça na educação.
As práticas de avaliação plurilingue podem incluir os seguintes aspetos (Melo-Pfeifer & Ollivier, 2024):
– Os alunos podem ser avaliados na sua língua materna, numa segunda língua aprendida na escola e, eventualmente, numa língua de herança.
– A avaliação pode permitir que os alunos escolham a língua em que se sentem mais à vontade para exprimir a sua compreensão de um conceito.
– Em vez de apenas exames escritos, as avaliações podem incluir tarefas como apresentações orais, entrevistas ou projetos experienciais.
– Os alunos podem optar por responder a questões de compreensão, num exame, nas suas línguas maternas ou numa língua que se encontrem a estudar.
– Os alunos podem movimentar-se entre línguas (translanguaging) para exprimir ideias de forma mais precisa num trabalho escrito.
– Os alunos podem construir um portefólio que inclua ensaios, projetos e apresentações em várias línguas, fornecendo uma visão abrangente das suas capacidades linguísticas e da compreensão de conteúdos específicos.
Unit 4 Autoavaliação
Unidade 5. Conclusão
O módulo “A igualdade linguística como base para a justiça social e educativa” forneceu pistas a professores e educadores para compreenderem a relação entre as (des)igualdades linguísticas e a justiça social e educativa, utilizando uma lente de intersecionalidade. A apresentação e a discussão de conceitos relevantes, como a igualdade linguística, a justiça social e a justiça educativa, ajudam-nos a obter uma compreensão matizada e complexa da forma como estes elementos se cruzam e influenciam o quotidiano dos contextos educativos.
Este módulo foi além dos quadros teóricos, identificando casos e manifestações de justiça social e educativa. Incluiu, também, a análise de situações e cenários educativos práticos que abordaram a interação complexa entre língua, justiça (cognitiva) e experiências educativas. O módulo não só identificou desafios, como também propôs perspetivas para ultrapassar a injustiça linguística na educação que incluem propostas de práticas de ensino linguística e culturalmente responsivas, translanguaging e abordagens plurais no ensino aprendizagem (intercompreensão, sensibilização à diversidade linguística, didática integrada das línguas e abordagem intercultural). No seu conjunto, estas propostas pretendem abordar e reduzir injustiças enraizadas em critérios linguísticos restritos e em perceções deficitárias sobre as competências linguísticas e específicas dos alunos plurilingues.
Ao concluirmos este módulo, convidamos à reflexão sobre o papel que cada participante – professores, formadores de professores, pais, comunidades e sociedade civil, e alunos – pode desempenhar na promoção da igualdade linguística, da justiça social e da justiça educativa nos seus próprios contextos (educativos). Tendo em conta os conceitos e práticas pedagógicas propostos, esperamos contribuir para a criação de espaços educativos mais inclusivos e justos para todos os alunos, dentro e fora da escola. A aprendizagem em serviço, promovida pelo projeto BOLD, pode ser um contexto para explorar esses conceitos e práticas.
Agradecemos o interesse por este módulo! Estão disponíveis outros módulos BOLD 🙂
Referências bibliográficas
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Online guides and resources to support translanguaging pedagogy from the City of New York: New York State Initiative on Emergent Bilinguals.
The best resources to learn about translanguaging: https://larryferlazzo.edublogs.org/2022/07/17/the-best-resources-for-learning-about-translanguaging/