Gestão linguística e cultural em regiões de fronteira

Secção introdutória

Este módulo, intitulado “Gestão linguística e cultural em regiões de fronteira“, visa proporcionar-lhe a oportunidade de analisar e discutir criticamente a natureza multifacetada do conceito de “fronteira”. Será desafiado a refletir sobre os obstáculos e vantagens de viver em regiões de fronteira, particularmente no que diz respeito à diversidade linguística e cultural. Além disso, irá explorar a importância da adoção de uma identidade plurilingue dentro desses contextos. Ao longo do módulo, vai envolver-se com as experiências diárias, profissionais e estéticas de indivíduos que residem em regiões de fronteira. Esta exploração incluirá uma análise de exemplos que ilustram práticas de educação linguística em diferentes contextos, de acordo com uma perspetiva de ação social.

No final deste módulo será capaz de: 

  • Definir e refletir criticamente sobre os conceitos de “fronteira”, “educação plurilingue e intercultural” e “educação para a cidadania intercultural”.
  • Reconhecer os desafios e oportunidades de viver em/entre fronteiras.
  • Observar e refletir sobre uma variedade de experiências diárias, profissionais e estéticas de indivíduos que residem em regiões de fronteira.
  • Analisar exemplos de práticas de educação linguística em regiões de fronteira, de acordo com uma perspetiva de ação social.

Este módulo destina-se a professores, futuros professores e formadores de professores de várias áreas disciplinares, destacando-se os mais diretamente envolvidos na educação em línguas. Além disso, o módulo pode ser relevante para outros atores educativos, nomeadamente administradores escolares, pais e público em geral.

Este módulo é composto por quatro unidades: Unidade 1, intitulada “Fronteira, um conceito a ser questionado numa perspetiva polifónica”; Unidade 2 “Viver em/entre fronteiras: desafios e oportunidades”; Unidade 3 “Fronteiras como experiência linguística, cultural e humana”; e Unidade 4 “Educação em línguas para a ação social em regiões de fronteira”.

8 hours

Neste módulo, terá a oportunidade de interagir com uma variedade de materiais e recursos, nomeadamente vídeos, literatura, fotos/imagens, pinturas, artigos de revistas, documentos de política educativa e documentários.

Maria Helena Araújo e Sá

Raquel Carinhas

Vânia Carlos

Marcelo Kremer

Mónica Lourenço

Susana Pinto

Carolina Simões

Madalena Teixeira

Andrea Ulhôa

Unidade 1. Fronteira, um conceito a ser questionado numa perspetiva polifónica

De acordo com o Cambridge Dictionary Online (2023), fronteira é definida como “a line that has been agreed to divide one country from another”. Uma perspetiva territorial semelhante é proposta pelo Collins Dictionary Online (2023), que descreve fronteira como “the dividing line between two countries or regions” e “sometimes (a reference) to the land close to that line”. Estas definições, baseadas na noção de fronteira do senso comum, constituem um ponto de partida para a nossa discussão sobre o conceito. Assim, podemos levantar múltiplas questões, tais como: Que circunstâncias contribuem para a criação dessa linha? Quem é responsável pela sua criação? Essa linha sofrerá alterações ao longo do tempo e, em caso afirmativo, que fatores as determinam? Será que os habitantes de fronteira percecionam e vivenciam essa linha da mesma forma? No final desta unidade, será capaz de:

  • compreender o conceito de fronteira na sua complexidade e polissemia através da análise de vários recursos semióticos;
  • reconhecer múltiplas perspetivas de fronteira (geopolítica, social, etc.) e compreender as suas interseções;
  • refletir sobre diferentes representações e experiências dentro e além fronteiras.

1.1. Muito mais do que territórios: dos limites geopolíticos a uma compreensão holística do conceito de fronteira

Para compreender e analisar criticamente o conceito de fronteira na sua polissemia é essencial considerar o abstracionismo que lhe é inerente.

A Figura 1 representa uma pintura de Robert Motherwell (1967). Como é que a descreveria? À primeira vista, pode parecer um conjunto aleatório de figuras, certo? Mas, acrescentemos o título do quadro, “Elegia à República Espanhola”. Será que esta informação adicional altera ou ajuda a decifrar a sua mensagem? Talvez com esta breve referência histórica as figuras abstratas pareçam, agora, representar metaforicamente um conflito entre a morte e a vida nesse período, evidenciando o posicionamento do autor na apreensão dessa realidade.

 

Figura 1. Representação de “Elegia à República Espanhola” (1967)

Nota. Robert Motherwell, The Museum of Modern Art, 2004 (https://www.moma.org/collection/works/79007). Copyright 2023 de The Museum of Modern Art.

Qual é o objetivo da apresentação deste quadro e qual a relação entre o quadro e o conceito de fronteira? O propósito é realçar o paralelismo entre a interpretação desta obra de arte e o conceito de fronteira. Em ambos os casos, é essencial olhar para além da superfície e desconstruir o processo de se tornar uma “materialização física” de modo a compreender o produto final como uma construção complexa e diacrónica moldada por circunstâncias políticas, históricas e socioculturais que se intercetam entre si. No entanto, quando nos referimos a fronteira, de que estamos a falar exatamente?

Em primeiro lugar, é fundamental reconhecer a existência de diferentes tipos de fronteiras:

(1) Fronteiras geopolíticas e territoriais, incluindo,

(1.1) Fronteiras Estado-nação (Paasi, 2022), em conformidade com as definições dos dicionários citados anteriormente.

(1.2) Fronteiras regionais (ibidem), que representam os limites socioespaciais que existem nos contextos inter e intra-urbanísticos, englobando os seus direitos legais.

(1.3) Áreas do mercado de trabalho (ibidem), que ultrapassam a organização administrativa das fronteiras Estado-nação e regionais para abarcar as trocas económicas (Comissão Europeia, 2018).

(2) Fronteiras simbólicas (Chouliaraki & Georgiou, 2019), que incluem discursos produzidos por aparelhos do Estado (por exemplo, o governo) e aparelhos ideológicos do Estado (por exemplo, meios de comunicação social, escolas, religiões) (Althusser, 1970, citado em Dervin, 2021) que moldam a opinião pública.

(3) Fronteiras linguísticas (Saraceni & Jacob, 2018), que delimitam diferentes sistemas ou variedades linguísticas.

(4) Fronteiras culturais (Shimoni, 2006), que devem ser analisadas numa perspetiva top-down, como resultado de forças globais; e numa perspetiva bottom-up, em que o contexto local também assume influência na perceção que os sujeitos constroem de fronteira.

Nas secções seguintes, centrar-nos-emos nas fronteiras Estado-nação e nas fronteiras regionais para refletir sobre a diversidade linguística e cultural que as caracteriza.

Uma fronteira Estado-nação é mais do que uma mera delimitação num mapa; constitui uma manifestação ideológica e simbólica que molda a perceção do espaço territorial. Tal contribui significativamente para a construção e afirmação de uma identidade coletiva nacional (Kolosov, 2020; Paasi, 2022) e promove um sentido de pertença dos indivíduos face a esse território, influenciando as relações que estabelecem com os demais sujeitos. A configuração de um território e o seu mapeamento com fronteiras delineadas permitem a criação de uma “idea of state sovereignty” (Ushakin, 2009, citado por Kolosov, 2020) dentro de um imaginário partilhado por um Estado-nação. Adotando o pensamento topológico (Allen, 2016), devemos analisar um território para além da sua geometria e topografia. Este não constitui uma entidade estática, mas, sim, um produto de relações dinâmicas de poder e políticas. Neste contexto, não podemos dissociar a compreensão geográfica da espacialidade de uma fronteira da sua faceta política (Ek, 2012) e da sua perspetiva social (Nail, 2016). Na sua abordagem social, Thomas Nail (idem) vai mais longe e argumenta que uma teoria de fronteira necessita de considerar a sua “história kinopolítica”. Tal implica compreender os movimentos sociais e as várias formas de circulação como partes integrantes da história da fronteira, particularmente as suas dinâmicas de expansão e expulsão. Estas dinâmicas manifestam-se como relações de poder assimétricas, em que um território domina outro(s) (Pratt, 1993; Putsche, 2022). Nesta linha, Elden (2009) encara o território como locus onde se praticam múltiplas geografias de terror, ameaça e medo, por vezes com consequências extremas. De facto, a memória histórica desses movimentos associada a uma ambição ideológica imperialista pode resultar num processo de colonização moderna e, consequentemente, em migrações forçadas. Kolosov (2020) refere-se a este processo como “phantom pain” (dor fantasma), na qual o desejo de reclamar um território outrora anexado, por ser sentido no presente como “a sua terra”, viola a soberania de outro Estado-nação. Mesmo em casos não extremos, a assimetria é evidente na desigualdade entre as estruturas organizacionais, administrativas e sociais dos países vizinhos (Hamman, 2019; Putsche, 2022), podendo comprometer a cooperação transnacional e a coesão social dessas regiões.

1.2. One is not born, but rather becomes a cross-border local: formas de viver, sentir e estar entre e além fronteiras

Vivemos numa era de “modernidade líquida” (Bauman, 2000), caracterizada pela fluidez das fronteiras devido a processos como a globalização, o desenvolvimento digital e a migração. Enquanto estas forças globalizantes incentivam a dissolução de fronteiras, eventos como a pandemia COVID-19 e a emergência de discursos radicais e populistas – muitas vezes revestidos de preocupações nacionalistas, de segurança interna (Paasi et al., 2022) e de crimes de ódio contra imigrantes (Entorf & Lange, 2023) -, reforçam paradoxalmente as noções de expansão e expulsão, solidificando as fronteiras como marcas divisórias. As imagens abaixo exemplificam essa perspetiva: na Figura 2, podemos observar um muro delineando a separação entre a fronteira México-Estados Unidos da América (EUA); e, na Figura 3, uma foto que retrata a fronteira militarizada entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul.

Figura 2Muro entre fronteira México-EUA, em Tijuana

Nota. From Surprising Lives of Those Living Along U.S.-Mexico Border, by J. Delano, 2017 (https://www.nationalgeographic.com/photography/article/border-wall-delano). Copyright 2015-2023 by National Geographic Partners.

Figura 3Fronteira militarizada entre Coreias do Norte e do Sul, em Panmunjom

Nota. From North Korean soldiers look back at their South Korean counterparts across the military demarcation line in the demilitarised zone (DMZ) at Panmunjom, by J. Heon-kyun, 2015 (https://www.theguardian.com/world/2015/aug/04/two-south-korean-soldiers-injured-in-apparent-landmine-explosion-on-border). Copyright 2023 by The Guardian News & Media Limited.

Apesar de o 13.º artigo da “Universal Declaration of Human Rights” (1948) afirmar que “Everyone has the right to freedom of movement and residence within the borders of each State”, atitudes negativas, como as supramencionadas, dificultam a inclusão social dos imigrantes e refugiados, impedindo o desenvolvimento do seu sentido de pertença à comunidade.

Consegue imaginar o impacto profundo de deixar para trás e renunciar a tudo o que construiu na sua vida? Que emoções é que isso lhe provocaria?

Para contactar com as emoções sentidas pelos refugiados, veja “Cruzar un muro“, uma curta-metragem que retrata as suas experiências de “navegação”, incitando a uma reflexão sobre a importância de derrubar fronteiras para a concretização desse direito fundamental e para que todos sintam o mundo como a sua casa.

No contexto de vivência de fronteira, os sujeitos debatem-se frequentemente com a sua “identidade fronteiriça” de uma forma interna e dilemática. No seu poema “To live in the borderlands”, Gloria Anzaldúa mergulha na sua herança mestiça e na sua identidade, moldada pela experiência de residir na fronteira México-EUA, refletindo sobre a complexidade de navegar pelas múltiplas vozes dos seus antepassados, que partilham uma história marcada por conflitos nesse espaço particular.

Para uma compreensão mais profunda do espaço, é crucial considerar a sua “plasticity” (plasticidade) (Jones, 2022; Malabou, 2008), ou seja, a capacidade de se adaptar às múltiplas influências num espaço físico (por exemplo, políticas, sociais, históricas), resistindo simultaneamente à mudança. Malabou (ibidem) destaca o mundo material como um produto de um continuum tempo-espaço marcado por tensões entre forças de transformação e de fixação. Tendo isto em consideração, bem como o impacto dos programas e políticas linguísticas na identidade dos sujeitos (McKinney, 2017), podemos contribuir para reforçar o sistema de uma forma funcional ou para o desafiar numa ótica de resistência. Perante a complexidade associada às novas demografias, torna-se imperativo não só discutir a coexistência e o contacto entre diferentes línguas e culturas nestes espaços (Saraceni & Jacob, 2018), mas também refletir sobre as dinâmicas e as fronteiras em contextos de diversidade linguística e cultural.

Contrariamente ao paradigma prevalecente de fronteiras como “separating marks” (Morello, 2017), estas também podem ser vistas como espaços de contacto, encontros, partilha e oportunidades. As Figuras 4 e 5 ilustram este facto: a primeira centra-se na ajuda humanitária na fronteira Polónia-Ucrânia; enquanto a segunda destaca um casal de namorados na fronteira Suíça-França-Alemanha.

 

Figura 4. Ajuda humanitária na fronteira Polónia-Ucrânia

Nota. From s.t., by Reuters/Y. Nardi, 2022 (https://www.rtve.es/noticias/20220304/polonia-levantar-muros-acoger-refugiados-ucrania/2302620.shtml ). Copyright 2023 by Corporación de Radio y Televisión Española.

Figura 5. Namorados na fronteira Suíça-França-Alemanha

Nota. From Kissing across the barrier in Basel, where Germany, France and Switzerland meet, by R. Schmid, 2020 (https://www.bbc.com/news/world-europe-52674205 ). Copyright 2023 by BBC.

De acordo com o exposto, apresentamos dois testemunhos de habitantes da fronteira Portugal-Espanha, extraídos do documentário “Portunhol” (Martins, 2022). Estes testemunhos enfatizam a “vivência universalista” (ibidem), uma experiência caracterizada pela diversidade linguística e cultural contextual, numa perspetiva de cidadania global. Nesta ótica, as fronteiras desvanecem-se, criando um ambiente onde a riqueza da diversidade é sentida sem constrangimentos:

Testemunho 1 – “Até à pandemia, não nos tínhamos dado conta de que havia uma fronteira. Para nós, era uma linha imaginária, eram dois países, sim, mas nunca tínhamos percebido os inconvenientes que isso trazia”.

Testemunho 2 – “É incrível, porque as pessoas que vêm de fora não têm noção que é uma coisa tão natural para nós, que é tão perto, e que uma curva está a dividir Portugal de Espanha”.

A mesma fronteira Estado-nação pode também ser vivida de diferentes formas em regiões distintas. Veja-se, por exemplo, a fronteira Vilar Formoso-Quadrazais, situada numa região portuguesa ao longo da fronteira Portugal-Espanha. Os habitantes locais co-criaram um código linguístico conhecido como “gíria quadrazenha”, compreensível apenas entre eles. Este código foi especificamente concebido com o propósito de agilizar a organização do contrabando, que tem uma tradição histórica naquela região, e impedir a compreensão por parte da restante população, especialmente a polícia. Este cenário evidencia o papel das línguas como experiências sociais, existenciais e interculturais.

Figura 6. Fronteira Vilar Formoso-Quadrazais

De modo a preservar a diversidade linguística e cultural da tríplice fronteira Argentina-Brasil-Paraguai, o grupo subversivo de intelectuais “Portunhol Selvagem” criou o “portuñol” como uma prática de translinguagem. Douglas Diegues, membro do grupo, é autor de vários poemas que nos conduzem a um paradigma que concebe a arte como intervenção sociolinguística de empoderamento das línguas faladas naquela região. Neste sentido, as línguas são entidades permeáveis e fluidas que podem ser consideradas tanto no plano individual e micro (autogestão do repertório comunicativo dos indivíduos) como no plano social, relacional e macro (em contextos multilingues e multiculturais). Esta perspetiva pode levar a uma experiência de fronteira como um espaço “sociofísico” de convivialidade alternativa.

Em conclusão, embora partilhem características comuns, como a diversidade linguística e cultural e a plasticidade espacial, as fronteiras possuem também idiossincrasias proporcionadas por variáveis geopolíticas, históricas e sociais, tornando cada fronteira contextualmente única e singular nas suas pluralidades. No entanto, como tivemos oportunidade de observar, essas pluralidades nem sempre são vistas e vividas de forma positiva, comprometendo a sustentabilidade das nossas sociedades. Como educadores, o nosso papel é contribuir para uma educação para a diversidade linguística e cultural, especificamente nas fronteiras Estado-nação e regionais de modo a capacitar futuros professores a serem agentes ativos na transformação das fronteiras como “third spaces” (Bhabha, 1994) de existência humana e de experiências partilhadas.

Unidade 2. Viver em ou entre fronteiras: Desafios e oportunidades

A primeira unidade demonstrou a existência de diferentes tipos de fronteira, desde as territoriais, formalmente designadas como linhas divisoras, sujeitas à vigilância e controlo do Estado, até às geopolíticas, moldadas por lógicas políticas, económicas e comerciais. Igualmente, as fronteiras simbólicas e linguísticas também foram consideradas, que, em diferentes domínios, encaminham fluxos sociais, culturais e identitários em permanente negociação. Para além dos limites geográficos ou das pontes fixas que conectam territórios, pode-se afirmar que esses fluxos delineiam o que chamamos de fronteiras simbólicas.

Na Unidade 2, aprofundamos a natureza multifacetada das fronteiras, que se sobrepõem em suas dimensões geopolíticas, sociais, linguísticas, culturais e humanas, constituindo-se como espaços-tempos abrangentes, mais ou menos tangíveis e palpáveis, servindo como palcos para diversas práticas sociais e padrões discursivos, por vezes contraditórios, dualistas e diferenciadores, influenciando os sentidos e significados que atribuímos às fronteiras, as nossas e as de outrem, e a maneira como experienciamos os desafios e as oportunidades de se viver em ou entre fronteiras.

E afinal, quais são esses desafios e oportunidades?

Para ponderarmos sobre este tema, recorremos à literatura que desempenha, metaforicamente, um papel crucial ao auxiliar-nos na compreensão e avaliação aprofundadas das nuances da realidade. Este processo permite-nos transitar para uma realidade mais objetiva, possibilitando a apreensão de diversas perspetivas e experiências humanas por meio das vozes daqueles que habitam a realidade das fronteiras, especificamente na fronteira Brasil-Uruguai.

No final desta unidade, seremos capazes de:

    • Expandir a compreensão relativamente aos conceitos de fronteira simbólica e linguística;
    • Identificar diferentes desafios e oportunidades de viver nessas fronteiras;
    • Reconhecer a diversidade linguística e cultural, tanto como desafio quanto como recurso, ao viver em regiões fronteiriças.

2.1. (Re)Conhecendo nossas fronteiras

É possível que esteja familiarizado ou tenha ouvido falar de Alice, a personagem da obra literária de Lewis Carroll, ‘Alice no País das Maravilhas’. Sim, ela mesma, a jovem entediada que, impelida pela curiosidade, seguiu um coelho apressado, inclinou-se sobre a sua toca e caiu, caiu, caiu, até aterrar num mundo extraordinário, contrário a tudo o que ela conhecia e considerava convencional.

Alice was beginning to get very tired of sitting by her sister on the bank, and of having nothing to do […] when suddenly a White Rabbit with pink eyes ran close by her.
There was nothing so very remarkable in that; nor did Alice think it so very much out of the way to hear the Rabbit say to itself, ‘Oh dear! Oh dear! I shall be late!’ (when she thought it over afterwards, it occurred to her that she ought to have wondered at this, but at the time it all seemed quite natural); but when the Rabbit actually took a watch out of its waistcoat-pocket, and looked at it, and then hurried on, Alice started to her feet, for it flashed across her mind that she had never before seen a rabbit with either a waistcoat-pocket, or a watch to take out of it, and burning with curiosity, she ran across the field after it, and fortunately was just in time to see it pop down a large rabbit-hole under the hedge.
In another moment down went Alice after it, never once considering how in the world she was to get out again. (Carrol, 2022, p. 4-5)

Este episódio representa apenas a primeira de muitas fronteiras atravessadas pela protagonista ao longo de caminhos inimagináveis e intrigantes, fazendo-a oscilar entre o desejo de regressar a casa e o de permanecer para desvendar a estranheza circundante. Esta jornada leva-a a espaços oníricos e encontros com criaturas excêntricas que desafiam sua compreensão do mundo e de si mesma. Alice percebe que está diante de uma oportunidade única e reflete:

‘It was much pleasanter at home,’ thought poor Alice, ‘when one wasn’t always growing larger and smaller, and being ordered about by mice and rabbits. I almost wish I hadn’t gone down that rabbit-hole—and yet—and yet—it’s rather curious, you know, this sort of life! I do wonder what can have happened to me! When I used to read fairy-tales, I fancied that kind of thing never happened, and now here I am in the middle of one! (Carroll, 2022, p. 22).

Assim, a jornada de Alice simboliza a complexidade da experiência humana, muitas vezes marcada pela dualidade entre ousadia e hesitação, aspetos que se entrelaçam na teia narrativa do País das Maravilhas.

Através da leitura do livro, com Alice, aprendemos que as perguntas desempenham um papel crucial nos processos de busca por (auto)conhecimento. Elas são ferramentas importantes para estimular o pensamento crítico e possibilitar a (des)construção de (pre)conceitos, uma vez que nos orientam para o nosso mundo interno e possibilitam uma compreensão mais aprofundada de quem somos na relação com o mundo e com as pessoas que o habitam e nos habitam, contribuindo para o (re)conhecimento das nossas próprias fronteiras.

Neste sentido, precisamos de aprimorar a nossa capacidade de compreender e respeitar as perspetivas, experiências e valores alheios. É essencial deslocarmo-nos em direção ao outro, adentrando o seu espaço-tempo existencial, para reconhecer e valorizar as diversas realidades coexistentes que também encontram expressão em nós. Ou seja, exercitar  “the appreciation of the diverse diversities of the self and the other” (Dervin, 2010, p. 157). Assim, colocarmo-nos no lugar de Alice representa, potencialmente, um exercício profícuo de alteridade e empatia.

Seria capaz de tal feito? Como se sentiria se, de repente, se visse numa encruzilhada, confrontado/a com um gato enigmático de sorriso amplo e permanente, a declamar conselhos desconcertantes e filosóficos?

Isso foi o que aconteceu à Alice em determinado ponto da sua peregrinação:

— Cheshire Puss, she began, rather timidly, […] would you tell me, please, which way I ought to go from here?

— That depends a good deal on where you want to get to,’ said the Cat.

— I don’t much care where — said Alice.

— Then it doesn’t matter which way you go, said the Cat.

— So long as I get somewhere,’ Alice added as an explanation.

— Oh, you’re sure to do that,’ said the Cat, ‘if you only walk long enough. (Carroll, 2022, p. 42)

Esta passagem sugere a importância de termos clareza em relação aos nossos objetivos e destinos ao tomar decisões, uma vez que o caminho a seguir depende, naturalmente, do lugar ou do que desejamos alcançar. No entanto, ao contrário de Alice, que escolheu viver as suas aventuras, expressando indiferença quanto ao rumo a tomar, muitos de nós, por vezes, não temos a mesma sorte; não dispomos da oportunidade de escolher os nossos destinos, que simplesmente se desenrolam diante de nós. Impelidos pelos nossos instintos, desejos ou necessidades, somos conduzidos, por razões além do nosso controle, a lugares nunca imaginados.

Num exercício de empatia, já se imaginou no lugar de um imigrante? Por exemplo, no lugar de um refugiado de guerra, quando a falta de controle sobre o destino é uma realidade marcante e o que há é a ausência de escolhas verdadeiras?

Muitas vezes, a prioridade é simplesmente encontrar um lugar seguro, independentemente de quão incerto ou desafiador possa ser o caminho. Sim, ao atravessarmos fronteiras, independentemente da sua natureza, é comum sentirmo-nos envolvidos em medo e incerteza; é nesses momentos de confronto com o desconhecido que que a nossa visão pode obscurecer-se, como demonstra a passagem seguinte:

The players all played at once without waiting for turns, quarrelling all the while, and fighting for the hedgehogs; and in a very short time the Queen was in a furious passion, and went stamping about, and shouting ‘Off with his head!’ or ‘Off with her head!’ about once in a minute. Alice began to feel very uneasy: to be sure, she had not yet had any dispute with the Queen, but she knew that it might happen any minute, ‘and then,’ thought she, ‘what would become of me? They’re dreadfully fond of beheading people here; the great wonder is, that there’s any one left alive!’  (Carroll, 2022, p. 55)

Imersa num ambiente ameaçador, Alice mantém a serenidade e avalia a situação, antecipando possíveis conflitos. Ao observar, concebe estratégias e esforça-se por evitar que o medo a subjugue, evidenciando que muitas fronteiras frequentemente se revelam hostis e desafiador, exigindo resiliência, tranquilidade e racionalidade em momentos em que almejamos, simplesmente, sentir-nos acolhidos.

Ao prosseguir as suas aventuras, Alice salienta a importância do diálogo interior e exterior na construção de uma compreensão mais abrangente e inclusiva do mundo e de nós próprios. A sua jornada através de diversas fronteiras simbólicas destaca o complexo processo mediante o qual delineamos a nossa identidade, na fronteira do possível, na transição para nos tornarmos quem somos. Assim, Alice não hesitou perante conversas excêntricas e rituais transformadores. Permaneceu continuamente aberta à exploração e ao questionamento, disponível para o diálogo e a interação com o outro, por mais estranho que este lhe parecesse. Diante de cada nova experiência, uma pergunta persistente a orientava: Quem sou eu?

“Who am I then? Tell me that first, and then, if I like being that person, I’ll come up: if not, I’ll stay down here till I’m somebody else”—’but, oh dear!’ […] I am so very tired of being all alone here!’ (Carroll, 2022, p. 11)

Who are you?’ said the Caterpillar.

This was not an encouraging opening for a conversation. Alice replied, rather shyly, ‘I—I hardly know, sir, just at present—at least I know who I was when I got up this morning, but I think I must have been changed several times since then.’

‘What do you mean by that?’ said the Caterpillar sternly. ‘Explain yourself!’

I can’t explain myself, I’m afraid, sir’ said Alice, ‘because I’m not myself, you see.’ ‘I don’t see,’ said the Caterpillar. ‘I’m afraid I can’t put it more clearly,’ Alice replied very politely, ‘for I can’t understand it myself to begin with; and being so many different sizes in a day is very confusing.’ (Carroll, 2022, p. 28-29)

Certamente, Alice transcendeu sucessivas fronteiras. Em busca de uma saída, a menina embarcou em jornadas que não eram apenas transições físicas de um lugar para outro, mas sim encontros com a diversidade dentro de si mesma. Isso representou uma oportunidade única de crescimento através da exploração de um mundo desconhecido que ela tão ansiosamente buscava compreender.

Já ponderou quantos momentos na sua vida refletiu sobre quem é e o que realmente quer? Teve encontros ou interações inesperadas que desafiaram todas as suas expectativas? Como reagiu a esse sentimento? Já se sentiu sozinho e perdido? Que estratégias ou abordagens usou para superar esses sentimentos?

Os diálogos entre Alice e as personagens fantásticas destacam, entre outras questões, o desafio de estabelecer comunicação entre diferentes formas de existência, uma comunicação transfronteiriça. No entanto, a essência da sua jornada tem sido sempre a busca pelo autoconhecimento em e através de si mesma, no outro e através do outro, sem preconceitos ou julgamentos, em movimento, criando dinâmicas para superar os desafios que todos enfrentamos ao atravessar fronteiras na construção das nossas identidades, na dialética do “Eu-Nós” (Dubar, 2006). Acreditamos que isto representa a significativa oportunidade de viver entre fronteiras, possivelmente a mais crucial para a nossa humanização, uma oportunidade intrinsecamente ligada à dimensão da autoconsciência, do sentido de pertença e da aceitação do outro na interação e intersubjetividade.

O que pensa acerca disto?

 

2.2. Para além das fronteiras simbólicas: As vozes dos falantes do Português Uruguaio

As fronteiras simbólicas de Alice são espelho de diversas realidades de fronteiras geográficas espalhadas pelo mundo e de complexas e por vezes perturbadoras formas de estar e de sentir dos habitantes dessas regiões. Nesta seção, vamos transportá-lo/a para uma fronteira localizada na América Latina e onde se fala uma variedade oral do português: o português uruguaio.

O português uruguaio é falado na faixa fronteiriça Uruguai-Brasil. Consiste numa variedade local, inserida num contexto sociolinguístico diglóssico. Ou seja, a realidade sociolinguística nos departamentos desta faixa (Artigas, Rivera, Cerro Largo e Rocha) caracteriza-se por um bilinguismo social: as comunidades compreendem e comunicam-se nos dois idiomas fronteiriços, o português e o espanhol, mas estas línguas assumem papéis sociais diferentes. De facto, se o espanhol é considerado a língua de prestígio, a grande maioria dos falantes de português como língua materna fala uma variedade local fortemente estigmatizada em termos sociais (Carvalho, 2007).

Esta situação diglóssica pode ser explicada pela trajetória histórica dessas línguas. Como vários linguistas atestam, o português era a única língua falada nas comunidades fronteiriças até ao final do século XIX, quando o espanhol entrou na região (Barrios, 2018; Brovetto et al., 2007; Carvalho, 2003; Elizaincín & Behares, 1981). Uma vez que a língua é poder, as políticas linguísticas de José Pedro Varela, político, escritor e jornalista uruguaio do século XIX, impuseram uma nação-uma língua: o espanhol.

    • “Quando chega gente de fora em casa a gente fala uruguaio, não sei porquê, mas depois já empeza a rotina de volta, falamo brasileiro”, diz uma estudante de 19 anos (Carvalho, 2007, p. 56).

Já outra adolescente, com 17 anos, refere:

    • “Cuando mi novio y yo empezamos a salir hablamos sólo uruguayo, después con el tiempo fuimos empezando a hablar brasilero y hoy sólo hablamos brasilero” (Carvalho, 2007, p. 55).

Em termos geográficos, o português uruguaio é mais prevalente entre as pessoas das periferias dos centros urbanos e em extensas regiões rurais. “Nos bairro a gente fala português, no centro não”, diz uma criança de 9 anos (Carvalho, 2007, p. 54). Portanto, o português uruguaio é uma variedade linguística duplamente minorizada e periférica: é falado principalmente por falantes rurais ou nos bairros periféricos dos centros urbanos, que geralmente são habitados por pessoas com baixos recursos económicos.

Apesar de ser um idioma de solidariedade e de unificação social, que une e identifica a cultura fronteiriça do Uruguai, o português uruguaio é socialmente desprestigiado com incidências negativas na sua vitalização e consequências ao nível da discriminação linguística e social daqueles que o falam, e das políticas linguísticas familiares, em que os pais já apenas comunicam em espanhol com os filhos, conduzindo a comportamentos linguísticos assimilatórios da língua de prestígio: “Eu não deixo minhas filhas falar português comigo. Eu falo brasilero com o meu pai mas cambeo pro uruguaio pra falar com as gurisa”, diz uma riveirense de 35 anos (Carvalho, 2007, p. 61).

O português uruguaio é conhecido e reconhecido pelos próprios falantes como portunhol/portuñol, entreverado, bayano, fronteirizo, brasilero, que, ora com vergonha, ora com orgulho, evidenciam uma particularidade da identidade fronteiriça destes cidadãos uruguaios: “Nem que nós queira falar em espanhol não nos sai bem porque nós falemo portunhol.” (Doris, in Vozes das Margens – Avance Documental).

A partir do trabalho em curso no âmbito do documentário Vozes das Margens, realizado por Ana Maria Carvalho, vamos viajar através das vozes dos falantes de português uruguaio que manifestam construções identitárias e alguns sentimentos semelhantes à nossa Alice do País das Maravilhas. Assim, as fronteiras simbólicas de uma realidade literária encontram-se e fundem-se com uma realidade bem contemporânea do norte do Uruguai.

Como se sentiria se, de repente, se encontrasse numa encruzilhada? 

As encruzilhadas consistem em espaços geográficos e/ou simbólicos propulsores de novos caminhos, mas também de muitas hesitações e dúvidas. Face a uma encruzilhada somos incitados a tomar decisões. Muitas dessas decisões refletem-se em comportamentos que, por diferentes motivos, nos afastam de caminhos que nos aproximam de outras pessoas de contextos e realidades diferentes dos nossos. Vamos analisar as seguintes vozes:

  • “Eles dizem ‘aquellos de la frontera’” (Sandra)
  • “Depois que eu falo dizem ‘sos brasilero’ e eu digo não, cresci na fronteira pero não sou brasileiro” (Arturo)
  • “Em Montevideu me chamavam a canária. Meus tios me levavam. Havia uns gallego. Eu tampoco entendia o que eles falavam. Me dava má impressão porque eles me estavam chamando a canária, palavra meia feia, não sei, talvez me chamavam que eu não tinha valor nenhum” (Eva)

Estas vozes de falantes de português uruguaio evidenciam comportamentos distanciados por parte dos uruguaios do sul em relação aos do norte, identificados por aqueles como brasileiros ou originários de um espaço socialmente periférico dentro da nação uruguaia: “aquellos de la frontera”. Mas quem são essas pessoas de fronteira?

 Quem sou eu ?

Sentindo que falam uma língua socialmente marginalizada e que não é considerada pela maioria da população como uma língua nacional, mas que é a sua língua, os falantes do português uruguaio vivem em constante movimento de encruzilhada, encruzilhada essa que se manifesta na forma de ver esse (seu) espaço identitário de fronteira.

“Falemo misturado, algo nosso” (Beethoven).

“Eu sei que sou uruguaio, mas bueno nasci assim vou morrer assim” (Ezequiel).

“Eu e o marido fomos criados falando portunhol e seguimos falando até hoje portunhol” (Teresita)

“Não me vejo falando em uruguayo, não me vejo o dia a dia uruguayo. Eu acho que sou assim. Isso já vem do pai, da mãe, do avô, da avó. Eu acho que já vem deles. Eu acho que herdei isso deles.” (Ana)

Ana, Teresita, Ezequiel e Beethoven despertam-nos para a sua realidade híbrida, de algo misturado, mas profundamente seu. Para além de ser uma língua de herança, transmitida de geração em geração, estas vozes reforçam, igualmente, que falar português uruguaio, sua língua materna, implica uma forma de ver e de estar no mundo.

Como seria se nos proibissem de falar a nossa língua materna? Que realidades estaríamos a esquecer? Quem seríamos, afinal?

Ao longo da sua vida, os falantes de português uruguaio são vítimas de discriminação que se evidencia, sobretudo, quando iniciam a escolaridade. Na escola, para além de muitos professores não entenderem o seu idioma, estão sujeitos a passar por situações que hoje identificamos como bullying.

“É comum que se riam, que se burlem, que notem, que percebam essa diferença mas que atribuam a ela um caráter negativo” (Jorge).

“Às vezes no tempo de liceu se riam e diziam campañola porque estava falando alguma palavra mas eu não dava a importância mínima. Eu deixava quieto seguia falando” (Teresita)

“Eu na escola aí também falava este idioma, nomá, e em espanhol muy difícil, eu sabia as perguntas, sabia fazer, levantava a mão, mas todos queriam que eu falasse em espanhol, mas eu não falava e ficava quieto, nomá, na minha. Eu queria falar no meu idioma.” (Ezequiel).

A discriminação a que estão sujeitos conduzem-nos, por vezes, a sentimentos de medo e de insegurança: Ezequiel não participava nas aulas, porque todos queriam que ele falasse espanhol, mas ele apenas desejava falar a sua língua, tal como Teresita que, resiliente, continuava a falar a sua língua materna independentemente das piadas e dos risos dos companheiros de escola.

Num exercício de empatia, já alguma vez se imaginou na pele de Ezequiel, Jorge e Teresita? Como se sentiria face aos comportamentos dos demais? Como agiria?

São múltiplas as consequências individuais e sociais para aqueles que falam português uruguaio:

“Posso falar bem ou posso falar mal porque eu não sei falar bem” (Sandra)

“Eu acho que falar bem sempre o uruguayo eu acho que não vou poder falar” (Ana)

“Tem niños que falam o portunhol e tem niños que falam o espanhol, porque já ensinam nas casas que eles têm de falar em espanhol” (Teresita)

Como resultado de situações discriminatórias, os falantes sentem que não falam bem e que vivem na encruzilhada da insegurança linguística, tanto em relação à sua língua materna como em relação ao espanhol. Além disso, como não desejam que os seus filhos passem pelas mesmas experiências, comunicam com as gerações mais jovens na língua de prestígio.

 To survive the Borderlands you must live sin fronteras be a crossroads.

Viver nas fronteiras do Uruguai revela ser um desafio intrínseco, mas também uma oportunidade única para os seus habitantes. Assim como as aventuras de Alice no País das Maravilhas a levaram a enfrentar desafios que moldaram a sua jornada, a vida nas fronteiras simbólicas do Uruguai-Brasil requer coragem e resiliência. No entanto, é neste contexto multifacetado, onde o português uruguaio cria uma teia única de identidade cultural, que encontramos uma oportunidade singular para preservar, celebrar e enriquecer uma narrativa que se desenha na interseção de diferentes línguas e culturas. Diante da estigmatização linguística, os habitantes destas fronteiras têm a oportunidade de reafirmar a sua singularidade cultural, transformando desafios em oportunidades para fortalecer e construir uma identidade coletiva rica e valiosa.

Unidade 3. Fronteiras como experiência linguística, cultural e humana

Na unidade anterior, abordámos o conceito de fronteira através da exploração de duas formas distintas: as fronteiras pessoais de Alice e os limites geopolíticos uruguaio-brasileiros. Partindo dessa base, a nossa jornada pelos meandros das fronteiras continua e expande-se nesta unidade.

Ao longo desta unidade, mergulhará numa gama diversificada de experiências diárias, profissionais e estéticas encontradas por indivíduos que habitam regiões fronteiriças. Estas narrativas proporcionar-lhe-ão conhecimentos valiosos sobre as complexidades da vida quotidiana, a dinâmica das atividades profissionais e as nuances da expressão estética nestes espaços vibrantes e dinâmicos. Prepare-se para explorar e adquirir uma compreensão mais profunda das experiências multifacetadas que definem a vida dentro e à volta das fronteiras.

No final desta unidade, será capaz de:

    • Participar, observar e refletir sobre a miríade de experiências diárias, profissionais e estéticas que definem a vida nas regiões fronteiriças.
    • Apreciar mais profundamente a diversidade que caracteriza estas zonas e as múltiplas formas de interação e de vida dos habitantes.
    • Reconhecer as fronteiras como espaços criativos.
    • Desafiar noções preconcebidas ao explorar as fronteiras não como meras linhas geográficas, mas como espaços criativos onde se cruzam e emergem identidades e culturas únicas;
    • Compreender o potencial de criatividade e inovação que surge da confluência de diferentes mundos linguísticos e culturais.

3.1. Viajando através de zonas fronteiriças

Nesta secção, irá explorar diversas regiões fronteiriças à medida que lhe apresentamos uma seleção de recursos. Esta secção oferece uma janela para a dinâmica cultural e linguística única de várias zonas fronteiriças. Desde o fluxo e refluxo da vida quotidiana até às nuances das experiências profissionais e estéticas, estes recursos fornecem uma lente através da qual poderá explorar a trama interligada da língua, da cultura e da educação.

Então, vamos começar a nossa exploração, mergulhando nas histórias e perspetivas vibrantes tecidas no contexto da fronteira uruguaio-brasileira, como ilustrado na Figura 6 abaixo.

Figura 6. Mapa ilustrativo da fronteira entre o Uruguai e o Brasil.

Na Unidade 2, exploramos esta fronteira através de Vozes das Margens (Carvalho & Machado, 2023). O livro apresenta uma narrativa de discriminação, exclusão e marginalização, tendo a língua como ponto focal inicial, que se estende para abranger várias facetas da experiência humana, como a pobreza, a distância e a descentralização. Começamos a nossa viagem pelas zonas fronteiriças nessa mesma fronteira. O escritor uruguaio Fabián Severo contribui para o diálogo ao elaborar obras em portunhol. No seu livro Noite nu Norte (2010), encontramos o poema Trinticuatro, que aborda os conflitos decorrentes do uso da sua língua em ambiente educativo. Como exercício, leia o poema tendo em mente como essa exploração multifacetada nos convida a considerar as complexidades da língua, da identidade e da educação na região fronteiriça entre o Uruguai e o Brasil.

Figura 7. Mapa ilustrativo da fronteira luso-espanhola.

Passando agora para a fronteira luso-espanhola (Figura 7), que mantém uma demarcação quase idêntica desde o estabelecimento do Tratado de Alcanizes em 1297, marcando mais de 800 anos de continuidade. Notavelmente, é a mais longa fronteira ininterrupta dentro da União Europeia, tendo estado livre de controlo fronteiriço desde 26 de março de 1995, na sequência da implementação do Acordo de Schengen, que aboliu as fronteiras internas, criando uma zona livre de passaportes na Europa.

Iniciamos a nossa viagem embarcando num projeto educativo que promove uma experiência coletiva, criativa e trilingue:

O projeto Ponte…nas ondas! (PNO!) tem como objetivo salvaguardar o património cultural imaterial na fronteira luso-galega através da criação de espaços de prática e transmissão do património às novas gerações. Inicialmente desenvolvido em escolas dos municípios de Salvaterra de Miño (Espanha) e Monção (Portugal), o projeto estendeu-se posteriormente a muitas outras escolas e instituições. Mais recentemente, este património vivo tem sido estudado e analisado para fins educativos por professores e investigadores da associação PNO!, com o apoio de conhecedores da tradição, profissionais e especialistas de universidades da região.

O projeto PNO! permitiu que os jovens se envolvessem na prática e na transmissão das suas próprias tradições graças à divulgação do património cultural nas escolas, à formação de professores, à presença de conhecedores e praticantes nas salas de aula para partilharem os seus conhecimentos e experiências e à utilização das tecnologias da informação e da comunicação e dos recursos da rádio para transmitir, promover e valorizar o património cultural imaterial partilhado. (https://ich.unesco.org/en/BSP/portuguese-galician-border-ich-a-safeguarding-model-created-by-pontenas-ondas-01848)

Como parte do seu percurso de aprendizagem, convidamo-lo a ver este vídeo, que fornece informações adicionais sobre o projeto. Considere o seguinte ponto de reflexão: Como é que o envolvimento dos alunos na prática e na transmissão das suas próprias tradições enriquece a sua educação? Reflita sobre o impacto desta experiência interativa e comunicativa transfronteiriça para os participantes. Veja o vídeo: PCI fronteiriço luso-galaico: um modelo de proteção criado por Ponte…nas ondas!

Em 2023, a RTP, o serviço público de radiodifusão português, emitiu uma série documental intitulada “Portunhol”, que retrata a fronteira luso-espanhola como um locus para o desenvolvimento da coesão económica, social e cultural, através da apresentação de uma série de testemunhos que “dissolvem fronteiras”:

Uma série documental de sete episódios sobre terras irmãs na fronteira mais antiga da Europa: a raia luso-espanhola. A distância entre o que se ganha, o que se gasta, o que se come, o que se dorme (viva a siesta), mas também como ambas as culturas se misturam para lá do traço invisível que separa os dois países. A raia dos caramelos, a raia da gasolina mais barata, a raia das guerras e dos tratados de paz, a raia do contrabando, a raia em festa. Vamos de Norte a Sul em busca de histórias que dissolvem fronteiras. Em portunhol. (De: https://www.rtp.pt/programa/tv/p44623)

Como parte da sua exploração, convidamo-lo a mergulhar no trailer da série para um vislumbre cativante das ricas narrativas que se desenrolam ao longo da fronteira luso-espanhola. Depois de assistir, considere refletir sobre os seguintes aspectos:

    • A forma como a série retrata a interação de culturas e o seu impacto no desenvolvimento de laços económicos, sociais e culturais entre estas terras irmãs.
    • O título da série, Portunhol. É a mesma palavra que encontramos no contexto da fronteira uruguaio-brasileira. Explore como seu o uso difere aqui e se tem o mesmo significado.

Assista ao trailer da série aqui.

Para além do domínio visual, encontramos o projeto musical “Músicas da Raya”, que se apresenta como uma iniciativa transfronteiriça ambiciosa e inovadora. Este projeto apresenta composições de ambos os lados da “La Raya” (a fronteira) entre Espanha e Portugal, reimaginadas de forma criativa e apresentadas com uma perspetiva universal. Prepare-se para uma viagem abrangente através das melodias instrumentais e vocais de La Raya, mergulhando em apresentações ao vivo, canções e entrevistas elucidativas disponíveis na playlist: 

https://www.youtube.com/playlist?list=PLv0PAUpN5ftgxA-UoJ5u1lAY6uYWgcJpT

Agora, vamos explorar mais detalhadamente o impacto deste empreendimento musical. Depois de ouvir as melodias envolventes, assista a esta entrevista e reflita sobre as seguintes questões: Qual é a importância, nas nossas sociedades hiperconectadas, de manter o contacto com as tradições locais? Esta entrevista ilustra bem o alcance do projeto, tocando as vidas de crianças em idade escolar e de idosos. Pense na forma como estes dois grupos distintos são influenciados e afetados por um projeto deste tipo.

Figura 8. Mapa que destaca as fronteiras entre a Flandres e a Valónia e a região de Bruxelas.

Até agora, esta unidade apresentou exemplos de regiões fronteiriças internacionais. No entanto, é crucial reconhecer que as regiões fronteiriças linguísticas também se podem manifestar dentro de um único país, como é o caso da Bélgica (ver Figura 8). O país tem três línguas oficiais – neerlandês, francês e alemão – o que levou à delineação de quatro áreas linguísticas em três regiões:

    1. Flandres: Onde o neerlandês é a língua oficial.
    2. Valónia: Inclui as zonas de língua francesa e alemã.
    3. Bruxelas: O neerlandês e o francês são as línguas oficiais.

É significativo que Bruxelas, enquanto única região bilingue, seja um enclave dentro da Flandres, criando uma região de fronteira linguística à sua volta. Para um entendimento mais aprofundado e informações adicionais sobre esta fronteira linguística, conhecida como Vlaamse Rand, consulte as informações disponíveis aqui.

Estes complexos arranjos linguísticos dão origem a situações que são fascinantes, mas desafiantes e potencialmente desconcertantes para os visitantes e recém-chegados. Um exemplo ilustrativo é esta brochura, desenvolvida por uma organização sem fins lucrativos. Concebida para familiarizar os recém-chegados com as especificidades linguísticas da região, a brochura fornece um apoio essencial para a navegação na vida em de Rand.

Ao utilizar estes recursos, reflita sobre a natureza multifacetada das fronteiras linguísticas dentro de um mesmo país. Considere como estas complexidades linguísticas contribuem para a riqueza e complexidade das interacções culturais e quotidianas na Bélgica, estabelecendo paralelos com o seu país de origem. Explore a dinâmica das fronteiras linguísticas no seu próprio país ou em países vizinhos, tendo em conta as situações e influências únicas em jogo.

3.2 Confluências culturais: Iniciativas artísticas transfronteiriças

As fronteiras funcionam como canais para o fluxo de cultura, conhecimento, experiências diversas e expressões artísticas. Esta interação dinâmica também alimenta outras iniciativas que veem as línguas como facetas integrais da experiência humana. Vamos mergulhar numa série de exemplos para explorar as profundas intersecções da arte e da língua em diversas regiões fronteiriças.

Começamos com “Se a pele é fronteira, o corpo é território”. A apresentação de trabalhos e projectos da residência artística “Se a pele é fronteira, o corpo é território” foi realizada por escolas de Elvas, Portugal, junto à fronteira com Espanha, perto de Badajoz. A iniciativa, apoiada pelo Plano Nacional das Artes e pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, Ciência e Cultura (OEI), contou com a colaboração da associação cultural UMCOLETIVO. O evento destacou a participação ativa dos alunos e a colaboração entre escolas de Elvas (PT) e Badajoz (ES), enfatizando a circulação de artistas e objectos artísticos com ligações às línguas portuguesa e espanhola. O projeto teve como objetivo levar a experiência portuguesa a outros países ibero-americanos. A iniciativa cultural incluiu laboratórios que exploraram as dimensões filosófica, física e cultural das fronteiras, envolvendo toda a comunidade escolar. O UMCOLETIVO centrou-se na justaposição entre indivíduo e território, explorando a relação transformadora entre o corpo e a paisagem como metáfora da pele e da fronteira. Atividades como “Representações do Invisível”, Clubes de Artes, Monólogos, Diálogos, atuações musicais e sessões de contos foram realizadas de abril a junho de 2021. A sessão terminou com a projeção da curta-metragem “Trova da Outra Margem do Tempo”, baseada numa história de contrabando em Elvas, seguida de debates com a figura inspiradora do filme. Mais informações podem ser encontradas em português e espanhol aqui.

Para saber mais, pode participar nas atividades descritas neste artigo e neste documentário. Agora, enquanto explora estes recursos, considere o poder transformador da arte para desafiar e redefinir fronteiras. Reflita sobre a forma como iniciativas como esta promovem a colaboração, o intercâmbio cultural e a compreensão entre as gerações mais jovens, para além das fronteiras linguísticas e geográficas. Além disso, pondere as formas como o envolvimento artístico enriquece a experiência educativa e promove a unidade entre os estudantes de ambos os lados de uma fronteira.

Figura 9. Mapa que ilustra a fronteira entre a Zâmbia e a República Democrática do Congo.

Na mesma perspetiva das fronteiras como condutores de fluxos de cultura, conhecimento e expressões artísticas, centremo-nos agora em outra região fronteiriça, especificamente na África Central, explorando a fronteira entre o norte da Zâmbia e o sul da República Democrática do Congo, ilustrada na Figura 9. O artigo “Artistic Movements: Visual Arts and Cross-Border Exchange on the Central African Copperbelt”, de Enid Guene, lança luz sobre a evolução das artes visuais na região do Copperbelt da África Central entre 1966 e 1977, um período marcado por uma relativa tranquilidade e prosperidade. A autora analisa as distinções entre a arte produzida durante este período e a da era colonial, interpretando o desenvolvimento explosivo da pintura popular como um sinal da emergência de uma nova consciência histórica entre as massas, tendo como pano de fundo o regime cada vez mais autoritário de Mobutu.

Os pontos principais do artigo incluem:

    • A arte deste período foi vista como uma rutura clara com a arte do período colonial, levando à definição de “pintores populares” pela Associação Internacional de Críticos de Arte do Zaire (AICA). Estes pintores não frequentavam escolas de arte, utilizavam materiais baratos e vendiam a sua arte nas ruas, o que os distinguia dos “pintores académicos” que recebiam educação artística formal e expunham a sua arte em galerias.
    • A fronteira entre pintores populares e académicos era muitas vezes ténue, uma vez que artistas de todos os tipos tentavam aceder a mercados diferentes – para a arte de galeria e para a arte de rua. Os testemunhos de artistas ativos durante o período de Mobutu, antigo Presidente da República Democrática do Congo, sugerem que estes tentaram frequentemente navegar por ambos os mundos.
    • O artigo também discute o impacto do regime de Mobutu nas artes, bem como o papel da arte no contexto do crescente autoritarismo do regime.

Agora, enquanto reflete sobre a complexa interação entre política, sociedade e expressão artística nesta região fronteiriça da África Central, analise os desafios enfrentados pelos artistas que navegam através de uma paisagem em evolução sob um regime autoritário. O artigo completo aguarda a sua exploração aqui, oferecendo uma perspetiva matizada sobre o desenvolvimento das artes visuais durante este período transformador que transcendeu fronteiras.

3.3. Criação de fronteiras e afirmação linguística

Já alguma vez pensou que uma fronteira pode ter o poder de criar uma “nova língua”?

Imagine um cenário em que uma parte de um país se torna independente. Nesta nação recém-formada, imagine que a língua falada, idêntica à do primeiro país, é rebatizada e voilà – surge uma “nova” língua. Esta construção de uma nova língua pode parecer algo frágil e artificial, tendo em conta que se trata essencialmente da mesma língua do primeiro país! Passadas algumas décadas, esse país declara que a sua língua não existe. Parece curioso, não é? Esta narrativa parece demasiado extraordinária para ser verdade, ou diz-lhe alguma coisa? Bem, não é uma obra de ficção; é baseada num caso real. Junte-se a nós para explorar o intrigante caso da República da Moldávia e da língua moldava.

Figura 10. Mapa que destaca a fronteira entre a Moldávia e a Roménia.

O território da atual República da Moldávia (Figura 10) fez parte da Roménia até 1940, altura em que foi anexado à União Soviética. A língua falada no país era o romeno. Mas durante a ocupação soviética, o uso do russo foi favorecido.

Apesar disso, os moldavos continuaram a falar romeno, facto que convinha aos pró-russos, que lhe chamaram “língua moldava”. Mesmo depois do colapso da União Soviética, em 1990, e do estabelecimento da moderna República da Moldávia, os pró-russos no poder em Chișinău (a capital da República da Moldávia) mantiveram uma política linguística que defendia a distinção entre o romeno e o moldavo. Isto levou até à publicação de um dicionário bilíngue moldavo-romeno, que, sem surpresa, era composto por palavras raramente utilizadas ou obsoletas (https://www.academia.edu/61824059). Um paradoxo da história, de facto!

As realidades mudaram à medida que os poderes políticos se foram alterando. Hoje, com a Moldávia a alinhar-se mais com o regime pró-europeu e pró-união com a Roménia, a paisagem linguística sofreu mudanças radicais. Em 2020, a Academia Romena recomendou à Moldávia que deixasse de se referir à sua língua como moldava e a reconhecesse simplesmente como romena. Leia sobre o assunto aqui. Além disso, em março de 2023, o Parlamento da República da Moldávia aprovou uma lei que designa oficialmente a língua nacional como romeno, pondo assim fim, pelo menos no papel, à língua moldava. Leia sobre esta evolução histórica aqui.

Agora, encorajamo-lo a explorar este artigo para um contexto histórico mais profundo e as suas ligações à situação atual. Durante a leitura, considere o profundo impacto que uma fronteira pode ter nas línguas – quer esteja a separar, a unificar ou mesmo a dar origem a “novas” línguas.

Unidade 4. Educação em línguas para a ação social em regiões fronteiriças

Considerando a polissemia da palavra “fronteira” e os desafios e oportunidades discutidos nas unidades anteriores, relacionados com a experiência de viver em ou entre fronteiras, a Unidade 4 foca-se no papel crucial da educação em línguas como palco privilegiado para promover a ação social e promover a diversidade linguística e cultural nestes contextos.

Assim, pretende-se que nesta unidade possa:

    • Refletir sobre os propósitos e os objetivos da educação em línguas.
    • Analisar o papel de instituições supranacionais na construção de políticas de educação linguística.
    • Relacionar a educação para a cidadania intercultural com o envolvimento social e a compreensão entre línguas e culturas.
    • Refletir sobre a associação entre a educação em línguas e a aprendizagem em serviço, como estratégia para enriquecer as experiências de aprendizagem de línguas e promover a cooperação em regiões fronteiriças.
    • Analisar exemplos de práticas de educação linguística em regiões fronteiriças numa perspetiva de ação social.

Unidade 4.1. Educação em línguas – articulação entre objetivos instrumentais e objetivos educativos mais amplos

Os objetivos e funções da educação em línguas têm sofrido adaptações às necessidades de sociedades em constante evolução, refletindo mudanças que se têm vindo a fazer sentir nas áreas política, económica, tecnológica e cultural. Enquanto que nas últimas três décadas do século XX, a comunicação era o objetivo principal da educação em línguas, com objetivos comunicativos e funcionais a justificar a sua utilidade, nos finais do século XX e, em particular, no século XXI, a educação em línguas tem sido imbuída de uma dimensão política e moral devido ao papel que desempenha em “changing societies for the better” (Byram, 2002, p. 45).

A globalização, os avanços tecnológicos e o aumento da colaboração internacional têm também tido um impacto significativo na educação em línguas nas últimas décadas. Atualmente,  a educação em línguas é reconhecida como um fator crucial na formação de indivíduos que se pretendem comunicadores eficazes, cidadãos culturalmente conscientes e participantes ativos num mundo cada vez mais globalizado. Hoje em dia, a educação em línguas reflete a natureza interdependente do mundo e está ligada a objetivos relacionados com a comunicação interpessoal, a compreensão intercultural, a cidadania global democrática, a coesão social e a inclusão. Neste contexto, é vista como um meio que contribui para um mundo mais pacífico, justo, democrático e sustentável.

Vamos explorar como esta perspetiva é abordada por organizações supranacionais como o Conselho da Europa (CE), as Nações Unidas (ONU) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

4.1.1. Conselho da Europa – educação plurilingue e intercultural para uma cultura democrática

No contexto europeu, o Conselho da Europa (CE) tem vindo a desempenhar um papel significativo na definição das políticas de educação linguística. Desde a década de 1990, o CE desenvolveu o conceito de educação plurilingue e intercultural, definido como “an overall linguistic education cutting across all school languages and all subject areas and guided by the values upheld by the Council of Europe… It incorporates all of the languages taught at school into an overall conceptual framework, but does not take the place of the teaching methods specific to each. Plurilingual and intercultural education takes into account the educational and language needs of all pupils, whatever path they are taking through school. It takes the form of an overarching educational project which gives access to all pupils – especially those likely to encounter most difficulty at school – to equity and quality of education” (Beacco et al., 2016, p. 15). A educação plurilingue e intercultural, vista como um fator indispensável na coesão social das sociedades contemporâneas, baseia-se nos conceitos de competência plurilingue (a capacidade de um indivíduo utilizar um repertório plural de recursos linguísticos e culturais para satisfazer as suas necessidades de comunicação) e de competência intercultural (a capacidade de um indivíduo experimentar a alteridade e a diversidade, analisar essa experiência e beneficiar dela).

O CE tem vindo a defender a educação plurilingue e intercultural como uma forma de proteger a diversidade linguística e promover o diálogo intercultural, a inclusão social e a democracia. Para alcançar esses objetivos, emitiu várias recomendações e disponibilizou diversos instrumentos e recursos. Na Platform of Resources and References for Plurilingual and Intercultural Education, as autoridades educativas, os profissionais e o público em geral podem aceder a esses recursos e instrumentos destinados a apoiar o desenvolvimento da educação plurilingue e intercultural. Um dos principais contributos do CE para a educação em línguas é o Common European Framework of Reference for Languages (CEFR, em português, “Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas”), que fornece uma base comum para a elaboração de programas de línguas, diretrizes curriculares e instrumentos de avaliação em toda a Europa. Este quadro tem sido influente não só na Europa, mas também a nível mundial, servindo como ponto de referência para a definição de políticas e práticas de educação em línguas. Igualmente importante é o Framework of Reference for Pluralistic Approaches to Languages and Cultures: Competences and Resources (em português, “Quadro de Referência para Abordagens Plurais de Línguas e Culturas: Competências e Recursos”), que apresenta uma lista abrangente de descritores (conhecimentos, atitudes e capacidades) considerados necessários no contexto de uma educação plurilingue e intercultural.

Uma das recomendações mais importantes sobre educação plurilingue e intercultural do Comité de Ministros aos Estados-Membros é a CM/Rec(2022)1, referente à importância da educação plurilingue e intercultural para a cultura democrática. Em junho de 2022, o European Centre for Modern Languages (ECML) lançou uma série de webinars que explicam os objetivos, princípios e medidas constantes nesta Recomendação. Convidamo-lo a dar uma vista de olhos ao terceiro webinar, focado na importância que a Recomendação CM/Rec(2022)1 atribui à formação de professores:

Especificamente no que diz respeito à educação em línguas em regiões de fronteira, a Recomendação Rec(2005)3 do Comité de Ministros aos Estados-Membros sobre o ensino de línguas vizinhas em regiões de fronteira foi adotada pelo Conselho da Europa a 9 de fevereiro de 2005. O objetivo desta Recomendação é promover a compreensão linguística e cultural em regiões vizinhas onde a proximidade entre diferentes línguas é um fator significativo para fomentar a cooperação. Neste sentido, a Recomendação incentiva medidas para melhorar a comunicação e cooperação transfronteiriças, reconhecendo a importância da competência linguística na consecução desses objetivos, valorizando a diversidade cultural e linguística e incentivando a preservação e promoção das línguas regionais e minoritárias em regiões de fronteira.

Em particular, os Estados-Membros são encorajados a:

    • desenvolver programas de ensino de línguas que se concentrem nas línguas dos países vizinhos, tendo em consideração as necessidades linguísticas das populações em regiões de fronteira;
    • proporcionar formação adequada para os professores envolvidos no ensino de línguas vizinhas, garantindo que estes estão equipados com as capacidades e conhecimentos necessários;
    • integrar o ensino de línguas vizinhas nos currículos nacionais, adaptando o conteúdo às necessidades específicas e ao contexto linguístico das regiões de fronteira.

Esta Recomendação está alinhada com o conteúdo da Comunicação da Comissão Europeia para o Conselho da Europa, intitulada Boosting growth and cohesion in EU border regions (em português, “Promover o crescimento e a coesão nas regiões fronteiriças da UE”), que destaca a importância de intensificar os esforços para promover o bilinguismo em regiões de fronteira como uma solução para enfrentar questões problemáticas relacionadas com a comunicação e a cooperação individual e empresarial. Nas páginas 4 e 5 desta Comunicação, são apresentadas algumas histórias de vida em regiões de fronteira. Leia estas histórias: como é que estas experiências o fazem sentir? Já pensou nas possíveis dificuldades de viver em regiões de fronteira?

4.1.2. Nações Unidas e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – educação em línguas para a sustentabilidade, a paz e os direitos humanos

As Nações Unidas (ONU) e sua agência – a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) – têm vindo a evidenciar um interesse constante na educação em línguas como parte dos seus esforços para promover o desenvolvimento sustentável, a paz, os direitos humanos e a diversidade cultural. A educação em línguas é abordada de formas diferentes, mas complementares.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 1948, e a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, publicada em 1996, destacam a diversidade linguística e cultural como parte integrante dos direitos humanos, enfatizando o direito à educação na própria língua e reconhecendo o papel da educação em línguas na preservação e promoção da identidade e da herança cultural. Ambas as declarações reconhecem ainda a existência de uma relação entre diversidade linguística e cultural e paz, considerando a “paz linguística planetária” como um fator fundamental da coexistência social. A relação entre educação em línguas e paz foi fortalecida com o surgimento do “paxlinguistic movement” (Crystal, 2004) em 1987, quando um grupo de especialistas da UNESCO se reuniu na União Soviética para debater questões relacionadas com a educação plurilingue, dando origem à Linguapax Kiev Declaration e, posteriormente, a uma série de workshops e conferências internacionais focadas nesse tema.

Embora a educação em línguas não surja, de forma explícita, na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU, encontramos indícios da sua relevância alguns mais amplos, nomeadamente, os relacionados com educação de qualidade, sociedades inclusivas e cidadania global. De seguida, destacam-se alguns exemplos que mostram como a educação linguística está indiretamente presente na Agenda 2030:

Educação de Qualidade (ODS 4): “Garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos”. Embora o ODS não mencione explicitamente a educação em línguas, ela está implícita no conceito de educação de qualidade. Educar de forma inclusiva implica reconhecer e respeitar a diversidade linguística, incluindo a importância de ensinar (n)as línguas maternas dos alunos ou ensinar línguas que sejam relevantes para as suas comunidades.

Sociedades Inclusivas (ODS 10): “Reduzir as desigualdades no interior dos países e entre países”. Sociedades inclusivas implicam o reconhecimento e valorização da diversidade, incluindo a diversidade linguística. Sistemas educativos que reconhecem e incorporam diversas línguas contribuem para sociedades mais inclusivas e equitativas.

Educação para a Cidadania Global: A ideia de uma educação para a cidadania global, que implica fomentar a compreensão, o respeito e a responsabilidade entre os indivíduos num contexto global, está alinhada com os objetivos mais amplos da Agenda 2030. Embora não seja explicitamente declarado, a educação em línguas é uma componente crucial da cidadania global, permitindo que os indivíduos comuniquem para além das diferenças culturais, compreendam perspetivas diversas e se envolvam eficazmente na resolução de questões globais.

Parcerias para os Objetivos (ODS 17): O Objetivo 17 enfatiza a importância de parcerias para o alcance do desenvolvimento sustentável. No contexto da educação, isso pode envolver a colaboração entre países, organizações e comunidades para promover a educação em línguas, a diversidade linguística e práticas inclusivas.

Portanto, embora a educação em línguas não seja explicitamente mencionada nos ODS, os princípios de inclusão, equidade e cidadania global que estão incorporados nos objetivos supramencionados têm implicações sobre a forma como a educação em línguas é abordada a nível nacional e global. Considerando as informações e recursos elencados acima, reflita sobre as seguintes questões:

    • Como avalia o papel dessas instituições supranacionais na construção de políticas de educação linguística?
    • Considera importante que a educação em línguas assuma uma dimensão política e moral? Porquê?
    • De que maneira as recomendações apresentadas por essas instituições podem ter impacto na sua vida pessoal e profissional?

Unidade 4.2. Educação para a cidadania intercultural: construindo pontes para além das fronteiras linguísticas e culturais

A globalização e a urgente necessidade de construir comunidades mais inclusivas, justas e pacíficas colocam grandes desafios à educação. Em particular, exigem que os professores preparem os alunos para viver e interagir de forma responsável em comunidades cada vez mais diversas. Os alunos precisam de desenvolver uma compreensão clara de si mesmos e das suas identidades. Para além disso, é importante que cultivem atitudes positivas de compreensão em relação a pessoas com diferentes origens sociais e económicas, construindo, assim, pontes para além das fronteiras linguísticas e culturais.

Como vimos na Unidade 4.1., a educação em línguas não deve perseguir unicamente objetivos instrumentais, mas deve ter em mente objetivos educativos mais amplos. De facto, a educação em línguas pode ajudar os alunos a desenvolver um sentido de responsabilidade e cidadania ativa, a abraçar a diversidade e a contribuir para uma maior compreensão das diferenças culturais. É este o objetivo da educação para a cidadania intercultural.

    • Já alguma vez ouviu falar do conceito de educação para a cidadania intercultural?
    • Que palavras e expressões lhe suscita este conceito?

Antes de apresentarmos uma definição do conceito, vamos olhar para os termos que o compõem.

4.2.1. Competência (de Comunicação) Intercultural

Aprender uma língua não se resume apenas a aprender gramática e vocabulário, mas também envolve interagir com os outros de maneira cultural e socialmente apropriada. Isso significa que os aprendentes de línguas não devem apenas desenvolver competências linguísticas, mas também competências interculturais. De acordo com Michael Byram, a competência intercultural pode ser entendida como:

“The ability to interact in their own language with people from another country and culture drawing upon their knowledge about intercultural communication, their attitudes of interest in otherness and their skills in interpreting, relating and discovering, i.e., overcoming cultural difference and enjoying intercultural contact” (Byram, 1997, p. 70).

Como se pode ver pela definição, a competência intercultural envolve um conjunto intricado de conhecimentos, atitudes e capacidades de interpretação e interação. Byram (1997) propõe um conjunto de cinco competências interculturais (ou “savoirs”). Essas competências estão interligadas, assemelhando-se a fios de uma corda que são entrançados para a tornar mais forte (Figura 11).

Figura 11. Modelo da competência intercultural de Byram apresentado como uma corda (adaptado de Byram, 1997 pelos autores).
  • As atitudes são a base da competência intercultural e o principal fio na corda. As atitudes de um falante intercultural englobam a curiosidade, a abertura e a prontidão para suspender o descrédito sobre outras culturas e sobre a sua própria cultura.
  • O conhecimento envolve mais do que adquirir informações sobre uma cultura específica. Em vez disso, foca-se no conhecimento sobre produtos e práticas de certos grupos sociais, incluindo os próprios e os dos outros. Também inclui o conhecimento sobre a forma como o seu próprio grupo social e outros grupos e indivíduos interagem.
  • As capacidades de interpretação e relacionamento (de informação) consistem na capacidade de o indivíduo mobilizar conhecimentos previamente adquiridos para interpretar factos e eventos que possam surgir na interação.
  • As capacidades de descoberta e interação referem-se à capacidade de adquirir novos conhecimentos sobre uma cultura e sobre práticas culturais e à capacidade de operacionalizar conhecimentos, atitudes e capacidades sob restrições típicas da comunicação e da interação em tempo real.
  • A consciência cultural crítica é a competência que junta as atitudes, os conhecimentos e as capacidades dos aprendentes, dando-lhes um propósito na educação em línguas. Refere-se à capacidade de os aprendentes observarem, identificarem, compararem, contrastarem e, em última instância, avaliarem os seus próprios produtos e práticas culturais e os dos outros.

O modelo de competência intercultural de Byram tem sido altamente influente no contexto europeu. Em particular, tem servido de base para diversos documentos orientadores do Conselho da Europa, contribuindo para o desenvolvimento da educação intercultural (ver, por exemplo, Byram et al., 2002).

De acordo com Byram, a competência intercultural é distinta da Competência Comunicativa Intercultural (CCI). A diferença baseia-se na língua utilizada pelos indivíduos no diálogo intercultural. Se os indivíduos comunicarem na língua materna, isso insere-se no domínio da competência intercultural. Por outro lado, se estiver envolvida uma língua estrangeira, a comunicação torna-se mais complexa, exigindo a ativação de competências linguísticas, sociolinguísticas e discursivas, ou seja, de uma CCI.

Ouça o Episódio 73 do podcast “We teach languages”. Trata-se de uma entrevista feita por Dorie Conlon Perugini a Michael Byram, na qual entrevistadora e entrevistado discutem o conceito de CCI e a sua promoção nas aulas de línguas.

We Teach Languages Episode 73: Intercultural Communicative Competence with Michael Byram – we teach languages

    1. O que mais o tocou na visão de Michael Byram sobre competência comunicativa intercultural (CCI)?
    2. Quais são os pontos de ligação entre o que ouviu neste episódio e a sua área de trabalho/estudo?
    3. Que ações/iniciativas se vê a desenvolver com base no que ouviu?

4.2.2. Educação para a Cidadania

Nas últimas décadas, a Educação para a Cidadania tem vindo a ser introduzida nos currículos de várias escolas europeias, embora com ligeiras diferenças em relação ao passado. Enquanto que antigamente, a Educação para a Cidadania se centrava na transmissão de conhecimentos sobre instituições e processos políticos e estava restrita a um contexto local (geralmente um país, região ou território), hoje em dia inclui o desenvolvimento de competências que permitem aos alunos interagir com outros, pensar criticamente e agir de forma democrática e socialmente responsável, tanto localmente como globalmente, para contribuir para a construção de sociedades mais inclusivas, justas e sustentáveis (Comissão Europeia/EACEA/Eurydice, 2017; UNESCO, 2014).

Em 2018, o Conselho da Europa desenvolveu um Referencial de Competências para a Cultura Democrática (RFCDC) para auxiliar os educadores a contribuir para o objetivo de alcançar e consolidar três condições: uma cultura de democracia, diálogo intercultural e respeito pela dignidade e direitos dos outros. O referencial identifica um conjunto de competências-chave que são essenciais para que os indivíduos participem como cidadãos ativos em sociedades democráticas. Essas competências estão organizadas em quatro domínios, como se pode ver na Figura 12.

Figure 12. As 20 competências incluídas no RFCDC (Council of Europe, 2018, p. 38).
    • Observe a Figura 12. Que semelhanças e diferenças consegue identificar entre este referencial e o modelo de competência intercultural de Byram (1997)?
    • Que competências lhe parecem estar mais alinhadas com uma Educação para a Cidadania?
    • Que competências poderiam ser mais relevantes no âmbito de uma Educação para a Cidadania Intercultural?

4.2.3. Educação para a Cidadania Intercultural

A Cidadania Intercultural diz respeito à capacidade de os indivíduos de se envolverem eficaz e apropriadamente em interações interculturais. O foco está no envolvimento social para a mudança, ou seja, em usar a linguagem como uma ferramenta para promover a compreensão entre culturas e tornar o mundo num lugar mais justo e sustentável. Portanto, a Educação para a Cidadania Intercultural utiliza a aprendizagem de línguas e a ação cívica em comunidades locais e/ou internacionais com base nos princípios da Educação para a Cidadania.

    • Leia o seguinte excerto do capítulo de Wagner e Byram (2017) sobre Cidadania Intercultural:

“Education for intercultural citizenship postulates that learners can, in addition to learning active citizenship in their own country, acquire the knowledge and skills necessary to act in a community which is multicultural and international, and comprises more than one set of cultural values, beliefs, and behaviors. To remedy the lack of attention to intercultural aspects of citizenship in education, Byram (2008) introduced the model of intercultural citizenship education which combines ICC and aspects of citizenship education. This goes beyond the dimensions of ICC in that it requires students to apply what they learn to intercultural interactions with people of another culture in another language. In essence, intercultural citizenship education involves:

    • causing/facilitating intercultural citizenship experience, which includes activities of working with others to achieve an agreed end;
    • analysis and reflection on the experience and on the possibility of further social and/or political activity;
    • thereby creating learning that is cognitive, attitudinal, behavioral change in the individual;
    • and a change in self-perception, in relationships with people of different social groups.
  • It is important to note that intercultural citizenship education not only prepares learners for future activities as citizens, for ‘action in the community’ both local and international, but also introduces them to ways of acting in their present circumstances, even and especially young learners.” (Wagner & Byram, 2017, pp. 3-4) 
    • De acordo com os autores, quais são as características de uma Educação para a Cidadania Intercultural? O que implica esta forma de cidadania?
    • Reflita sobre a seguinte afirmação: A educação para a cidadania intercultural deve permitir e possibilitar que os aprendentes de línguas se tornem cidadãos e ajam no “aqui e agora” em comunidades multiculturais.

A noção de “ação na comunidade”, que é própria de uma pedagogia de Educação para a Cidadania Intercultural, tem semelhanças com a aprendizagem em serviço. Vai descobrir mais sobre esta metodologia na Unidade 4.3.

Unidade 4.3. Educação em línguas através da aprendizagem em serviço em regiões fronteiriças

Acredita-se que integrar a aprendizagem em serviço na educação em línguas pode oferecer uma abordagem holística e experimental da aprendizagem de línguas, enfatizando a aplicação prática de competências linguísticas em contextos do mundo real, ao mesmo tempo que aborda as características únicas, os desafios e as oportunidades das comunidades. Esta colaboração é percebida não só como enriquecedora da experiência de aprendizagem de línguas, mas também como promotora de entendimento mútuo e cooperação entre pessoas de diferentes origens linguísticas e culturais.

Nesta secção, vai entrar em contato com o conceito de aprendizagem em serviço e compreender como é que esta metodologia pode ser uma experiência de cruzamento de fronteiras. Nesse âmbito, terá a oportunidade de explorar alguns exemplos de práticas de educação linguística em diferentes contextos numa perspetiva de ação social, que consideram as necessidades linguísticas e culturais das comunidades fronteiriças onde ocorrem.

4.3.1. Aprendizagem em serviço como uma experiência de cruzamento de fronteiras

Pensa-se que terá sido Robert Sigmon a cunhar o termo “aprendizagem em serviço” na década de 1970. Sigmon definiu-a como uma forma de educação experiencial em que os alunos participam em atividades que abordam necessidades humanas e comunitárias, enquanto refletem criticamente sobre as suas próprias experiências. Sigmon desempenhou um papel crucial na construção do conceito de aprendizagem em serviço, sublinhando a relação entre a experiência de serviço e os objetivos académicos e enfatizando a integração intencional de conteúdo académico na experiência de serviço. Tal garantiria que os alunos não só se envolveriam em serviço significativo à comunidade, mas também refletiriam e aplicariam conceitos académicos a situações do mundo real. A integração da aprendizagem em serviço na educação apresenta diversas vantagens quer no desenvolvimento das competências dos alunos, quer no fortalecimento da comunidade (Eyler & Giles, 1999; Jacoby, 1996; Furco & Norvell, 2019).

O testemunho de Vacya Tipa é um exemplo do que pretendemos mostrar. Trata-se de um testemunho de uma estudante de uma escola internacional, cujo trabalho de aprendizagem em serviço com tartarugas marinhas em Lombok, Indonésia, tem sido um projeto contínuo desde que ela estava no sexto ano. Neste vídeo, Vacya partilha o valor da aprendizagem em serviço e destaca o poder que os projetos deste tipo podem ter no mundo e também nos indivíduos que os realizam. Assista e identifique as três principais vantagens que ela atribui à aprendizagem em serviço.

No final do vídeo, Vacya realça que, para a maioria dos estudantes, estar numa sala de aula “is more about going with the flow than learning how to be impactful into the world” e pede-nos para imaginarmos as aprendizagens que os estudantes poderiam realizar se estivessem envolvidos em aprendizagens em serviço. Esta reflexão encontra eco na discussão de Giroux (Border Crossings: Cultural Workers and the Politics of Education, 1992) sobre o papel dos educadores como trabalhadores culturais que devem expandir a educação para além das escolas, tornando-a numa experiência de cruzamento de fronteiras.

O testemunho de Vacya sublinha que a aprendizagem em serviço vai ao encontro do preconizado por Giroux, no sentido de que o envolvimento em serviço comunitário pode transcender fronteiras tradicionais e proporcionar aos indivíduos oportunidades de interagir com comunidades, culturas e perspetivas diversas. Assim, os participantes neste “modelo” de aprendizagem podem ser vistos como trabalhadores culturais que, através do seu relacionamento com as comunidades, contribuem para uma mudança cultural e social. Portanto, a aprendizagem em serviço tem o potencial de ser uma viagem transformadora e enriquecedora, proporcionando aos estudantes a oportunidade de aprenderem e de se conectarem com diferentes comunidades enquanto contribuem significativamente para a sociedade.

4.3.2. Casos de estudo

Nesta secção, vai analisar dois exemplos de práticas de educação linguística formais e não formais, considerando uma perspectiva de ação social.

 

Caso de estudo 1. Volunteering, Global Education and Good Writing

Este caso versa sobre a experiência de ensino da Professora Amelia Barili no curso de “Spanish 102C: Volunteering, Global Education and Good Writing“, um curso avançado de escrita em língua espanhola que ela tem lecionado há quase uma década.

  1. Assista ao vídeo da sua apresentação para o Centro de Línguas da UC Berkeley em 2019: https://www.youtube.com/watch?v=kwzeeL7P11U

Nas duas primeiras partes do vídeo, a Prof.ª Barili apresenta o contexto do curso e o quadro teórico que sustenta o seu projeto de ensino. Atraída pelas ideias de Michael Byram e do Conselho da Europa sobre educação para a cidadania intercultural e sobre o desenvolvimento de competências para uma cultura democrática, ela propõe reunir tanto os propósitos instrumentais, quanto humanistas da educação linguística ao envolver estudantes universitários de espanhol de diversas origens em atividades de aprendizagem em serviço com organizações locais que apoiam pessoas de outras culturas.

  1. Na terceira parte do vídeo (00:11:17 – 00:27:38), a Prof.ª Barili identifica o tipo de organizações nas quais os estudantes se voluntariaram, os grupos da população que essas organizações servem e as atividades que desenvolvem. O que considera que os estudantes aprenderam com estas experiências?
  2. Leia os testemunhos de Hannah, Lindsay e Justin, três estudantes que participaram no curso e posteriormente atravessaram a fronteira sul dos EUA em busca de novas oportunidades para continuarem a aprofundar o seu domínio do espanhol e a servir as comunidades de língua espanhola. Reflita sobre como essas experiências os terão ajudado a ultrapassar fronteiras geográficas, linguísticas, culturais e também sociais.

Se quiser saber mais sobre este curso e sobre os projetos comunitários destes estudantes, pode consultar os seguintes websites:

https://ucberkeleyspanish102c.wordpress.com/

https://spanish-portuguese.berkeley.edu/undergraduate/service-learning-course

Border Pedagogy: A Critical Framework for Service-Learning (umich.edu)

 

Caso de estudo 2. Bridging Borders through Language Museums

O segundo caso de estudo explora o papel dos museus de línguas e o seu impacto na promoção de cidadãos ativos e participativos numa sociedade que se baseia em valores democráticos. O objetivo é que estes museus inspirem os professores, influenciem os decisores políticos e mobilizem intervenientes que possam financiar programas de consciencialização linguística, tanto nas escolas, como na sociedade em geral. O exemplo aqui apresentado delineia os aspetos fundamentais da criação de museus de línguas e o impacto do trabalho que desenvolvem.

  1. Assista ao vídeo Bridging Borders through Language Museums: Promoting Language Awareness (em português, “Atravessando Fronteiras através de Museus de Línguas: Promovendo a Consciência Linguística”): https://www.youtube.com/watch?v=psnhGruAK_U.

Na segunda parte do vídeo (00:05:52 – 00:11:02), Ann Friedman apresenta as atividades que foram realizadas neste contexto de educação não formal para facilitar a aprendizagem das línguas faladas no Canadá, incluindo línguas indígenas.

Na terceira parte (00:11:38 – 00:15:43), Elaine Gold refere diversas exposições das quais ela foi curadora, focando as duas línguas oficiais do Canadá e uma seleção das mais de 65 línguas indígenas do país. Já pensou em como poderia organizar exposições semelhantes sensibilizando as pessoas para as línguas em regiões fronteiriças?

  1. Como pode a perspetiva de aprendizagem em serviço ser incorporada nos museus de língua para apoiar a educação de futuros professores de línguas?

Agora que explorou estes estudos, como se sentiria ao participar numa experiência de aprendizagem em serviço? Pense no seguinte:

    • Está familiarizado com organizações locais ou prestadores de serviços de educação não formal que apoiem refugiados, imigrantes, falantes de minorias ou grupos considerados socialmente desfavorecidos?
    • O que sabe sobre essas organizações e sobre as suas necessidades?
    • Como poderia apoiá-las para satisfazer essas necessidades?

Ideias-chave do módulo

Este módulo centrou-se na natureza multifacetada do conceito de “fronteira” com o objetivo de facultar a oportunidade de examinar criticamente e discutir desafios e benefícios associados à vida em diferentes tipos de fronteiras, particularmente no que diz respeito à diversidade linguística e cultural. Nele, exploraram-se a vida quotidiana, os esforços profissionais e as experiências estéticas de indivíduos que vivem em regiões fronteiriças e analisaram-se práticas de educação em línguas em diferentes contextos no âmbito da ação social e da aprendizagem em serviço. O objetivo era proporcionar-lhe  uma maior compreensão da diversidade linguística e cultural nas regiões fronteiriças, entendendo-a como um recurso que promove a criatividade, a inovação, o apreço pela diversidade, o diálogo entre identidades e culturas e a educação para a cidadania intercultural.

Mais especificamente, na Unidade 1:

    • compreendeu a polissemia do conceito de fronteira como uma construção complexa moldada por variáveis geopolíticas, históricas, linguísticas e socioculturais que estabelecem sinergias entre si num continuum espaço-temporal;
    • reconheceu que existem percepções diferentes e, por vezes, paradoxais, e formas de viver nas fronteiras, influenciadas por forças e eventos globalizantes que, por um lado, encorajam a dissolução das fronteiras e, por outro lado, reforçam as noções de expansão e expulsão e solidificam as fronteiras como marcadores divisórios.

Na Unidade 2:

    • explorou os conceitos de fronteiras simbólicas e linguísticas, reconhecendo que as complexidades das fronteiras vão para além dos seus limites físicos para incluir dimensões sociais, culturais e humanas. Essa perspetiva mais ampla molda a forma como percebemos e navegamos nesses espaços, levando à reflexão sobre a importância e consequências das dinâmicas linguísticas em trocas culturais e processos de construção de identidade;
    • reconheceu que os residentes em regiões de fronteira enfrentam desafios inerentes, que vão desde a estigmatização linguística até à necessidade de coragem e perseverança. Esses desafios apresentam uma oportunidade distinta para fortalecer uma identidade cultural particular, enriquecida pela diversidade linguística e cultural inerente às regiões.

 Na Unidade 3:

    • explorou as fronteiras como espaços dinâmicos de troca cultural, considerando o seu impacto na linguagem e na identidade;
    • investigou como dinâmicas políticas influenciam políticas linguísticas e percepções dentro de regiões de fronteira;
    • examinou interseções de arte e linguagem dentro de regiões de fronteira, refletindo sobre iniciativas e sobre o seu potencial para fomentar a colaboração e o entendimento entre povos, enriquecer experiências educativas e promover a união para além das divisões.

Na Unidade 4:

    • explorou o conceito de educação plurilingue e intercultural, no enquadramento da cultura democrática, analisando as suas ligações à sustentabilidade, à paz e aos direitos humanos;
    • contactou com o conceito de educação para a cidadania intercultural, uma abordagem educativa que visa formar indivíduos não só como cidadãos informados e empenhados, mas também com capacidades, conhecimentos e atitudes necessárias que lhes permitam integrar, participar e contribuir positivamente para uma sociedade diversificada e multicultural;
    • explorou exemplos de práticas de educação linguística numa perspetiva de ação social, reveladoras de que integrar a aprendizagem em serviço na educação em línguas oferece uma abordagem holística e experiencial da aprendizagem de línguas, ao mesmo tempo que permite abordar as características únicas, os desafios e as oportunidades presentes em cada comunidade.

 

Agradecimentos

A equipa agradece a Viviane Ferreira Martins, da Universidade Complutense de Madrid, pela elaboração de um relatório de revisão do módulo.

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